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Quando era pequeno, optei por não frequentar as aulas de catecismo. Quando estudei em escola evangélica, o pior momento da semana era o culto semanal. Já adulto, não aguentei fazer um TCC sobre espiritismo. Ao longo dos anos, quando me perguntavam sobre minha religião, dizia que não tinha uma. A pergunta a seguir era sempre a mesma: “Mas você acredita em deus, não é?”. Eu dizia que sim e a conversa morria ali.
Demorei muito tempo para aceitar que a criação cristã que tive não era para mim. Nunca encontrei sentido em nenhuma religião e, quando parei para pensar um pouco, percebi que nunca havia acreditado de fato na existência de um deus. Lógico que esse foi um processo interno e fruto de muita reflexão. Para externar isso foi bem mais difícil e a primeira vez que tive coragem de dizer em voz alta foi, pasmem, para um testemunha de Jeová.
Aqui cabe um parênteses. Uma das minhas diversões nos sábados de manhã é conversar com testemunhas de Jeová. Sempre que eles batem aqui em casa, faço questão de atender e dar atenção ao que têm para dizer. São diálogos de meia hora falando sobre religião, sobre aquilo que eles acreditam e pregam. Tenho a maior paciência do mundo e, mesmo eles não conseguindo me converter, saem satisfeitos por encontrar alguém aberto ao diálogo. Fecha o parênteses.
Nesse dia, a mulher que conversava comigo ficou surpresa por eu me declarar ateu. Também fiquei. Então a gente começou a conversar sobre como era ser ateu e viver sem deus. Foi uma das conversas mais legais sobre o assunto que tive, pois foi quando consegui organizar minhas divagações e apresentá-las para alguém com uma visão de mundo muito diferente da minha.
Desde então tenho me apresentado assim: ateu. Tudo bem que só faço isso quando sou perguntado diretamente sobre o assunto, mas já falo disso sem receios há quatro ou cinco anos. Até porque, como enxergo as coisas hoje, acho mais difícil ser ateu do que ter uma religião. Calma, eu explico.
A crença em um deus é reconfortante. Por pior que a situação esteja, você sabe que tem alguém lá por você. Alguém que vai te ouvir, que tem um livro inteiro de conselhos para te ajudar a superar os problemas. Mais do que isso, acreditar em um deus é crer que há um plano maior para você. Que a morte é apenas mais um passo dentro do caminho da sua alma. É viver de acordo com os ensinamentos deste deus, que geralmente são lições de bondade e humildade com o próximo.
Quando você é ateu, isso tudo não existe. A primeira coisa, e a mais difícil de aceitar, é que sua vida é só isso mesmo. Que você vai morrer e acabou. Não há um plano maior. Não há um destino para a alma. Nada. Essa foi, inclusive, a parte que mais demorei para assimilar. É triste encarar a finitude da nossa existência, mas, por outro lado, me ajudou muito a pensar em qual legado quero deixar para o mundo.
Outro ponto crítico é que, quando o mundo desmorona a sua volta, não há um ser superior a quem recorrer. Não adianta você ajoelhar e rezar ou esperar uma intervenção divina. É só você com você mesmo. Quem vai te ajudar mesmo quando isso acontece são as pessoas de confiança que estão a sua volta, ninguém mais. Essa também foi outra lição que aprendi na prática quando cheguei bem próximo do fundo do poço e sai de lá com a ajuda dos meus amigos.
Além disso tudo que falei, ainda tem um certo preconceito contra quem é ateu. O principal argumento disso é que quem não acredita em deus não possui uma moral a ser seguida e é responsável pelos males da sociedade. Não há besteira maior do que essa. Por mais que não haja um livro que nos diga o que fazer, o respeito ao próximo é a base de qualquer convivência.
Só como exemplo, vou citar as minhas metas de fim de ano. Desde 2009, eu fazia uma pequena lista do que queria atingir no ano seguinte. Contrariando tudo, no final do ano passado estabeleci apenas uma meta para mim: ser uma pessoa melhor. Isso envolve tudo, desde crescimento pessoal até convivência em sociedade. Essa história de moral vem da pessoa e de sua criação, não de um livro.
E apesar dos meus problemas com as religiões, por acreditar que nenhuma delas é boa para a sociedade, já deu para perceber que entendo a necessidade que algumas pessoas têm de um deus. Nunca vou condenar ninguém por acreditar em uma força maior, pois entendo o quanto isso pode ser bom. Infelizmente não funciona para mim, só isso.
Enquanto isso vou seguindo minha vida. Ateu e tranquilo, graças a deus.
P.S.: Uma vez eu estava conversando com um cara e ele me disse: “Você é ateu? Tem uma cara de ateu.”. Não sei bem como é a cara de um ateu, mas agradeci.
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.