DING DONG
…
…
DING DONG
Caralho, aposto que é Testemunha de Jeová. É sábado de manhã, porra! Dá um tempo. Esses caras não têm mais o que fazer? Nem acordei direito e esses putos já tão na atividade, prontos pra encher meu saco. Vontade de sair só de cueca pra ver a cara de espanto que eles vão fazer. Quero ver eles terem coragem de discutir o amor de Deus comigo vestido assim. Mas tá tão quentinho debaixo do edredon. Nem vale sair daqui só pra chocar esse povo. Deixa eu voltar a dormir que eles vão embora.
…
DING DONG DING DONG
Filhos da puta! Vai incomodar lá na casa do caralho de Deus, porra. Antes eles tocavam uma vez e esperavam. Agora tão apelando. Vou sair é sem a cueca pra ver o que eles vão falar. Fazer pintocóptero na cara deles pra ver se aprendem a não incomodar ninguém sábado de manhã. Calma… tá meio escuro pra ser Testemunha de Jeová batendo campainha. Cadê meu celular? Putz, uma da manhã. Quem pode ser a essa hora?
DING DONG
Eita, ninguém bate campainha na casa de alguém à uma da madrugada. Existe um código, sabe. Mesmo que a pessoa esteja te esperando, é de bom tom não bater campainha tão tarde. Ou tão cedo, sei lá. Se fosse tão importante tem o telefone. Meu celular tá aqui do lado da cama, é só me ligar. Se bem que ligação no meio da madrugada também é mau sinal. Minha mãe sempre falava que se alguém liga de madrugada é porque teve morte. Ai, caralho, será que morreu alguém?
DING DONG DING DONG DING DONG
Morreu. Certeza que morreu. Não vou lá atender a campainha nem a pau. Certeza que foi o seu Antônio. Desde que me entendo por gente o seu Antônio já tem uns 180 anos. Foi ele. Ou será que rolou um acidente cabuloso? Pra alguém ficar batendo a campainha desesperado, só pode ter sido algo muito trágico. Porra, o Fabinho me chamou pra sair, né. Será que aconteceu alguma coisa com ele? Aquele louco fica dirigindo bêbado, falei que alguma hora ia dar merda. Sossega, coração. Para de bater tão forte. Dá pra ignorar a campainha e voltar a dormir?
DING DONG DING DONG DING DONG DING DONG
Coragem. Se morreu alguém você precisa ficar calmo. A pessoa tá batendo a sua campainha porque precisa da sua ajuda. Veste uma roupa, tira essa cara de sono e enfrenta seja lá o que tenha acontecido. Merda, será que foi o Fabinho mesmo? Tomara que não tenha sido o seu Antônio, eu gosto demais do velhinho pra ele morrer assim no meio da madrugada. Calma. Respira fundo, abre a porta e vai ver quem é. Descobre o que aconteceu.
“Oi, é da casa da Neide?”
Neide? Calma, Neide? Ah, a Neide.
“Não, a Neide mora na casa do lado.”
“Oh, desculpa. Acabei de chegar de viagem e ela não foi me buscar na rodoviária. Não queria dormir na rua. Obrigada.”
Filha da puta.
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.