– Vai ficar nesse canto a festa inteira?
– Era minha intenção.
– Deixa de bobeira, vem dançar comigo.
– Não sei dançar. Por que você acha que estou aqui no canto?
– Já falei, deixa de bobeira. Vem dançar comigo.
– Também já falei, minha habilidade na dança é próxima a…
– Foda-se sua habilidade na dança. Você não precisa disso pra se divertir.
– Preciso sim, ainda mais se vai continuar tocando forró a noite inteira.
– Chega, vem comigo e vamos resolver isso.
– Tá bom, então você me guia. Como eu começo?
– Primeiro tira essa sandália.
– Minha sandália?
– É, sua sandália.
– Mas é preu dançar descalça?
– É. Eu quero que você sinta o chão.
– Sentir o chão… tá de brincadeira comigo, não é?
– Tô falando seríssimo. Tira a sandália pra você ver.
– Pronto, tirei. E agora?
– Agora mexe os dedos, sente o chão embaixo de você.
– Tô me sentindo idiota.
– Calma, ignora isso e embarca nessa loucura comigo. Agora dá um pisão forte no chão.
– Assim?
– Isso! Assim mesmo! Bate mais forte, como se fosse pra acordar seus tataravós.
– Tô batendo! De que isso vai me ajudar?
– Quero que você sinta o chão, que você faça dele uma extensão de você e…
– Uma extensão de mim…
– Uma extensão de você, quero que seu corpo me conte o que o chão diz.
– No momento ele está dizendo que sou uma idiota que o está machucando.
– Mais uma vez, esquece essa bobeira. Pensa que o chão está te desafiando pra um duelo e que você está disposta a aceitar. Enfrenta ele, bate, acaricia. Sinta o chão.
– No ritmo da música?
– No ritmo que você quiser. Pega a batida de percussão e vê se seu corpo não está a fim de responder.
– Claro que está. Fiquei balançando o pé a noite inteira.
– Sim! É porque é impossível resistir ao ritmo. Você acostuma.
– É estranho tentar dançar descalça. Certeza que tenho que fazer isso?
– Certeza absoluta. É o chão que conhece todas as músicas e vai estar com a gente sempre, nas vitórias e derrotas, nos bons ou maus dias.
– Tá, vou tentar sentir isso. Pensando bem, tem algo de libertador em ficar descalça.
– Lógico que tem. Seu corpo está em contato direto com a Terra.
– Tem a ver com aquela história de vibrações e boas energias?
– Ninguém pode falar que tem, não dá pra provar. A única coisa que posso afirmar é que é libertador.
– É, tem razão.
– Agora está pronta para ir pra pista?
– Bom, acho que sim, mas continuo sem saber nenhum passo.
– Fica tranquila que isso é comigo e você vai aprender aos poucos. Para esse início, sinta o chão e se mova.
– Só isso?
– Só.
Para ler ouvindo: Cuando los pies besan el piso – Calle 13
Esta crônica faz parte do Music Experience
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.