Três meses depois do último desabafo aqui no blog, muita coisa evoluiu dentro da minha cabeça. Não que eu esteja melhor, longe disso. Mas consegui compartimentar algumas coisas que estava sentindo há muito tempo e, enfim, tomei a iniciativa de lidar com elas. De forma meio capenga e errada na maioria das vezes, talvez até incomodando demais pessoas que amo no caminho, mas seguindo uma rota que tem um certo sentido pra mim. E isso faz parte. Sou defensor dos pequenos passos e enfrentar esses demônios internos é coisa nova pra mim. Mas sabia que não seria fácil. Bater cabeça é normal. Em compensação, sinto que esse tem sido meu ano mais importante para lidar com questões que me assombravam há tempos, por bem ou por mal.
Lá em março, minha psicóloga perguntou qual era o motivo de eu buscar me manter ocupado a todo momento e o que eu tentava esconder ao não me permitir ficar com meus próprios pensamentos. Na época não soube responder. Ou não quis pensar sobre, porque não tinha as ferramentas necessárias para lidar com o que poderia surgir dessa ferida. Eram duas perguntas recorrentes, que ela rodeava sempre nas nossas sessões, mas que nunca quis me aprofundar para não mexer em um vespeiro. Até que minha cabeça entrou em parafuso e decidi que era o momento de arregaçar essa merda. Se já estava fudido, era melhor terminar de ficar fudido de vez e tentar resolver isso. Foram meses com um incômodo difícil de lidar. Enfim, acho que agora tenho uma resposta. Talvez não seja a melhor. Talvez seja um pouco egoísta e básica. Mas é uma resposta. A minha resposta. E isso já me conforta.
Eu tento me ocupar o tempo inteiro porque não gosto de me ver parado e, com isso, me perceber sozinho. É simples assim. Por isso na pandemia comecei a me sentir cada vez pior. Porque estava muito sozinho, mais do que sempre estive. Quando minha mãe morreu, esse sentimento só piorou. Meu único núcleo familiar havia ido embora e, no final do dia, não teria a quem correr se tudo desse errado. Desde então, tenho lidado com esse crescente incômodo, com o que agora sei que é o medo de estar sozinho. Estou lutando há algumas semanas com a forma de lidar com isso, mas ainda sem saber muito para onde ir ou o que quero fazer. Agora, porém, sei o que estou sentindo, o que já é muito importante.
Quando paro pra pensar, vejo que isso é algo que encaro desde cedo. Sempre fui muito cuidado pelas pessoas da minha casa, seja minha mãe, minhas irmãs e até meus cunhados. Em compensação, nunca quis dar trabalho, porque via como estava a situação financeira e pessoal. Não queria ser mais um motivo de incômodo. Até pelas diferenças de idade com minhas irmãs, não havia uma cumplicidade – que começou a surgir só mais recentemente. Então me fechei. Tentei resolver meus BOs sozinho. As coisas de escola que estavam a meu alcance, resolvia todas sozinho. As brincadeiras eram, na maioria das vezes, sozinho. Assim cresci, acostumado a resolver tudo sozinho, com medo de incomodar as pessoas.
Esse sentimento só foi cristalizando enquanto crescia. Porque não me via como prioridade de ninguém e achava que podia ser deixado de lado quando desse na telha. Então fui me acostumando a fazer as coisas sozinho e me ocupar ao máximo. Descobri como era viajar sozinho, ir ao cinema sozinho, ir a um show sozinho. Isso piorava quando meus amigos entravam em relacionamentos. Porque eles tinham a tendência de sumir e priorizar apenas os momentos de contato com a pessoa amada. Era quando eu ficava de escanteio. Ou virava um apetrecho do casal. Isso é particularmente mais difícil quando você não consegue desenvolver um relacionamento amoroso. Quando você não pode dizer que já amou romanticamente alguém porque seria uma mentira. Essa é uma questão que vou precisar lidar em outro momento (não é o momento ainda), mas imagina como era para alguém que nunca estava acompanhado estar em círculo de pessoas que de repente não tinham mais tempo para você porque estavam em relacionamentos? Fui cristalizando essa necessidade de resolver as coisas sozinho.
Até que, uns anos atrás, cansei disso. Acho que a viagem para Cuba foi um ponto de virada nesse sentido. Porque fui sozinho, não tinha ninguém para ir comigo. Quem estava de casal tinha planos de viagem com a pessoa e os poucos amigos solteiros não casavam as férias/não tinham interesse em ir. A viagem foi do caralho, mas uma coisa que não acrescento sobre elas é que, muitas vezes, me senti muito sozinho. Fosse pra sentar em um bar e comer algo. Em um passeio que eu gostaria de ter companhia de alguém próximo para trocar ideia. E percebi que a última viagem de férias que eu tinha feito com companhia tinha sido em 2012. Desde então, havia viajado apenas sozinho. Então resolvi começar a tentar me abrir mais. A falar as coisas. A expor minhas fragilidades. A experimentar coisas. Foi tudo muito involuntário, porque não tinha ideia de que o problema era estar me sentindo sozinho. Mas, olhando pra trás, vejo que esse foi o movimento que fiz.
Lógico que os passos foram muito pequenos. Meu último relacionamento terminou porque eu não dei abertura para ela entrar na minha vida e segui achando que eu conseguiria resolver problemas muito maiores do que eu aguentava. No Carnaval, fui roubado e minha primeira reação foi me desvencilhar do grupo que estava para fazer um BO e resolver o problema sozinho, deixando todo mundo preocupado comigo. Uma necessidade imbecil de ser forte o tempo todo, quando em muitos momentos tudo que a gente precisa é de um colo. De uma conversa despreocupada no bar. De uma companhia silenciosa para ver um filme, ler um livro ou jogar vídeo game. De poder mostrar suas vulnerabilidades para a pessoa que você ama e receber o cuidado de volta.
Nesse processo de me abrir mais, falei sobre isso com meu melhor amigo – que era a única pessoa até esse momento, além da minha psicóloga, que me abri sobre isso. Ele fez um dos gestos mais bonitos para mim. Quando disse para ele que estava me sentindo sozinho, ele veio ficar comigo. No momento em que estava começando a me afundar em diversos vícios e esquecer de mim mesmo, ele veio e me permiti ser cuidado, pelo menos um pouquinho. A simples companhia dele na casa já me deu outro ânimo e me deu um gás para pensar mais nessa questão de me sentir sozinho. Óbvio que estou no meio do processo de entender isso e acabei agindo de formas que não me orgulho. Mas o mais importante é entender que, não. Não estou sozinho. Nunca estive. Apesar de me sentir assim.
Nunca parei pra pensar que tenho uma facilidade absurda de fazer amigos. Não só colegas, mas amigos mesmo. Pessoas que se eu precisar neste momento de ligar e pedir ajuda, não vão medir esforços em me ajudar. Isso fica claro quando converso com outras pessoas sobre isso. Porque não tenho um, dois ou três bons amigos. Eu tenho mais de dez. Se não consigo me apaixonar romanticamente, consigo sentir um amor infinito por essas pessoas que fui cultivando ao longo da vida. Isso envolve amigos e família, sem distinção. Quando minha mãe adoeceu, meu sobrinho não saiu do meu lado. Ele se mudou temporariamente pra minha casa e me ajudou a passar pelo momento mais difícil da minha vida. Se não tivesse a companhia dele no mês que se seguiu, teria desabado. Ele me manteve firme, mesmo sem saber disso – porque fiz o mesmo por ele. Meu melhor amigo fez a mesma coisa, alguns meses depois.
Enfim, são essas ideias que preciso internalizar melhor. E, lógico, pensar ainda mais sobre isso. Porque ainda é muito difícil quando chega o fim de noite e você se vê sozinho – e não digo nem sem uma namorada ou algo do tipo, mas sem ninguém ali pra fazer companhia. Ainda me pego triste quando um amigo acaba mudando nossos planos porque vai fazer outra coisa. Tô um pouco cansado da minha própria companhia, foi muito tempo preso em mim mesmo. Mas, como disse, é algo que estou pensando melhor só agora. Entendendo os cenários e como posso me comportar. Porque, porra, eu nunca estive sozinho. Nunca. Posso me sentir frágil de vez em quando. Precisar de cuidados. E terá alguém pra fazer isso por mim. Tenho certeza disso.
Enquanto isso, vou tentando lidar com esse sentimento ruim que ainda me cerca. Sempre digo que minha única meta de vida é tentar ser a melhor versão de mim mesmo. Quando estabeleci isso, não podia imaginar que fosse tão difícil e tão doloroso. Mas vou seguir firme nesse propósito, um passo de cada vez sempre.
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.