Poucas vezes meus hábitos de leitura foram tão afetados quanto durante a pandemia de covid-19. No ranking de 2020, comentei que tinha perdido o prazer em ler e essa foi a mais triste verdade ao longo desses quase dois anos em que estamos sob o controle do vírus. E olha que até comecei 2021 disposto a mudar esse cenário. Mas o agravamento dos casos e das restrições nos primeiros meses me fizeram repensar todo o plano e voltar à letargia anterior.
Apesar disso, consegui ler quase 50% a mais do que no ano passado. Foram 20 obras completas, sendo cinco quadrinhos. Ou seja, uma média de pouco mais de um livro de literatura por mês – o que ainda é muito baixo se comparado à minha média histórica. Porém eu sabia que isso mudaria assim que voltasse a trabalhar presencialmente e tivesse uma rotina de novo. Felizmente foi o que ocorreu.
Bastou pisar no ônibus para que, automaticamente, eu abrisse um livro. Consegui dar vazão aos contos completos da Virginia Woolf, que estavam rondando minha estante há anos. Também finalizei A festa do Bode, do Mario Vargas Llosa. E tenho avançado bem em Os irmãos Karamázov, que será finalizado ano que vem. Aos poucos a natureza vai voltando ao seu estado natural e espero que 2022 o índice de leitura seja bem melhor. Pelo menos é minha intenção trabalhar para que isso ocorra.
Além disso, li alguns livros nacionais de novos autores para entender como está a cena atual, como foi o caso de Adivinha quem não voltou para casa, de Pedro Poeira; Senciente nível 5, da Carol Chiovatto; Céu sem estrelas, da Iris Figueiredo; e Quinze dias, do Vitor Martins – na ordem de preferência, do meu menos preferido para o favorito da lista.
Também foi um ano de retornar para o Stephen King, com uma leitura super gostosa em Depois. Isso é bom porque há algum tempo não lia nada do autor e foi como retomar a normalidade, pelo menos um pouquinho dela. O processo, do Kafka, foi um clássico riscado da minha lista de não lidos, com um saldo positivo para uma obra claramente inacabada. Outro que gostei bastante foi Os sete maridos de Evelyn Hugo, que realmente valeu todo o hype que a internet fez em cima dele.
Mas, na hora de fazer a lista com as melhores três leituras do ano, não tive nenhuma dúvida de quais livros entrariam. A confusão ficou apenas entre qual colocar em primeiro e qual deixar em segundo, pois os dois mereciam demais o topo do pódio. Como não podia dar um empate, tive que fazer uma escolha, mas fui com o coração.
Enfim, vamos ao top 3 deste ano:
2021
3º lugar – O grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald
Nunca tinha lido este clássico da literatura norte-americana e foi uma grata surpresa. A grande representação do sonho americano, de um homem que saiu do nada e construiu a vida com seu próprio trabalho, sempre focado em seus objetivos. A efervescente década de 1920, com o otimismo pós-guerra que seria massacrado com o crack da bolsa em 29 – tudo em meio à lei seca e a festas extravagantes.
Mas esse é só o plano de fundo. A história envolve um amor obsessivo, contado de uma forma única. Um narrador que vê a ação de fora, não confiável e que promete não julgar, mas julga o tempo inteiro. Um grande mistério que cerca a figura do Gatsby e permanece até o fim da obra. Vazios propositais e que tornam O grande Gatsby tão maravilhoso.
Além disso, a reviravolta do final é a tônica do personagem-título. É melancólico e condizente com tudo que foi construído. Um belo livro que deveria ser lido por todos.
2º lugar – As veias abertas da América Latina, de Eduardo Galeano
A escolha por colocar As veias abertas da América Latina em segundo lugar e não em primeiro é apenas pessoal. Apesar de ser uma excelente leitura, diria que quase obrigatória para quem é latino-americano, ela flui com menos naturalidade do que o livro do topo do pódio. Mas também nem poderia ser tão fluida assim, pois o tema abordado é denso o suficiente para nos deixar pensando ao longo de toda a vida.
Ler As veias abertas da América Latina é entender nossa história e a de nossos vizinhos. Caminhos que se diferenciam nos detalhes, mas que são muito próximos em um olhar macro. Da colonização à submissão aos países europeus. Da independência política à eterna dependência econômica. Um contexto que nos faz levantar uma bandeira contra tudo de ruim que o capitalismo carrega e, ao mesmo tempo, lamentar pelas decisões erradas tomadas em séculos de exploração.
Galeano faz um panorama completo de como nunca conseguimos atingir o desenvolvimento em um livro que dói na alma. Algumas coisas mudaram de 1970 (quando a obra foi publicada) para cá, mas ainda assim segue como um retrato de como chegamos ao estado atual. De como o atual genocida da República, por exemplo, prefere reverenciar a bandeira dos Estados Unidos a agir em prol do Brasil. De como sempre seremos o país do futuro. Do Cristo decolando e, anos depois, caindo.
Simón Bolívar profetizou que nunca seríamos felizes e parece que ele estava certo. Terminei a leitura triste e sem esperanças. Ou seja, só mais um dia sendo brasileiro.
1º lugar – O tempo e o vento: o continente, de Érico Veríssimo
O tempo e o vento sempre atiçou minha curiosidade. Amo livros que contam a história de várias gerações e este épico tem exatamente essa temática. Nele acompanhamos a saga dos Terra-Cambará e a formação do Rio Grande do Sul e do povo gaúcho, compilado em umas 2 mil páginas. E tudo isso escrito pelo pai do meu cronista preferido. Na minha cabeça, a combinação perfeita.
Ao terminar o primeiro volume, vi que a expectativa era acertada. O continente começa na colonização do estado pelos jesuítas e vai até a proclamação da independência do Brasil, mas pelos olhos de pessoas simples estavam vivendo ali. E o que torna esta obra tão especial é que, além de falar dos homens das famílias Terra e Cambará, o papel de destaque é sempre das mulheres. É Ana Terra que precisa reunir forças e buscar um novo lar após o crime que cometem contra ela. É Bibiana que tem a dura missão de esperar os homens voltarem das guerras e revoltas sem nunca esmorecer. É Luiza que se vê presa em uma cidade aquém de suas capacidades e é vista como arrogante.
Este primeiro volume poderia facilmente se concentrar nos grande feitos do período, mas escolhe contar a história de quem ficou para trás. Das pessoas que ajudaram a construir um povo de fato. Uma decisão incrível que nos faz perceber os momentos históricos por outro ponto de vista. É genial em cada capítulo, até mesmo nas elipses narrativas. É uma obra de gênio e mal posso esperar para começar o próximo volume (O retrato).
Ranking dos últimos anos
2011: 3º – Desventuras em série, Lemony Snicket || 2º – Os três mosqueteiros, Alexandre Dumas || 1º – Peter Pan, J. M. Barrie
2012: 3º – A invenção de Hugo Cabret, Brian Selznick || 2º – Jogador nº 1, Ernest Cline || 1º – A torre negra, Stephen King
2013: 3º – A dança da morte, Stephen King || 2º – O encontro marcado, Fernando Sabino || 1º – Daytripper, Fábio Moon e Gabriel Bá
2014: 3º – Mrs. Dalloway, Virginia Woolf || 2º – Lolita, Vladimir Nabokov || 1º – Sandman, Neil Gaiman
2015: 3º – O velho e o mar, Ernest Hemingway || 2º – Febre de bola, Nick Hornby || 1º – O senhor das moscas, William Golding
2016: 3º – A guerra dos tronos, George R. R. Martin || 2º – Pequenos deuses, Terry Pratchett || 1º – O sol é para todos, Harper Lee
2017: 3º – Androides sonham com ovelhas elétricas?, Philip K. Dick || 2º – Anna Kariênina, Liev Tostói || 1º – A saga do Tio Patinhas, Don Rosa
2018: 3º – A guerra não tem rosto de mulher, Svetlana Aleksiévitch || 2º – David Copperfield, Charles Dickens || 1º – Cem anos de solidão, Gabriel García Márquez
2019: 3º – A redoma de vidro, Sylvia Plath || 2º – Crônica de uma morte anunciada, Gabriel García Márquez || 1° – A casa dos espíritos, Isabel Allende
2020: 3º – Valente por você, Vitor Cafaggi || 2º – Os chefes, Mario Vargas Llosa || 1º – 1984, George Orwell
Livros lidos em 2021
(As datas são relativas ao término da leitura)
09/01: O grande Gatsby, F. Scott Fitzgerald
14/01: Jeremias: Alma, Rafael Calça e Jefferson Costa
05/02: Tragédias cariocas, Nelson Rodrigues
15/04: Quinze dias, Vitor Martins
17/04: Arlindo, Ilustralu
18/04: As veias abertas da América Latina, Eduardo Galeano
27/04: O processo, Franz Kafka
08/05: Adivinha quem não voltou para casa?, Pedro Poeira
26/05: Chico Bento: Verdade, Orlandeli
12/08: Dora e a Gata, Helô D’Angelo
12/08: Isolamento, Helô D’Angelo
15/08: O tempo e o vento: o continente, Érico Veríssimo
15/08: Como um dia de domingo, Malu Almeida
15/08: Depois, Stephen King
21/08: Os sete maridos de Evelyn Hugo, Taylor Jenkins Reid
22/08: Céu sem estrelas, Iris Figueiredo
01/09: Pictamundi, Gleici Couto
11/12: A festa do bode, Mario Vargas Llosa
17/12: Contos completos, Virginia Woolf
21/12: Senciente nível 5, Carol Chiovatto
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.