Querido Papai Noel,

Outro dia me peguei pensando se já chegou internet aí no Polo Norte. Sei lá, o senhor é tão antigo e cafona que é difícil te imaginar metido com tamanha modernidade. Nossas conversas serem todas por carta há tantos anos, inclusive, já diz muito sobre o senhor. Seria mais fácil te mandar um e-mail ou um tweet, mas parece que alguém gosta de se comunicar igual os neandertais faziam. Paciência. Se quero ter esperança de ganhar algum presente, é bom me curvar às suas regras – pelo menos a uma delas.

Mas perguntei isso por uma preocupação real, porque não sei se o senhor tem acompanhado as notícias. Caso esteja mais ignorante do que o nornal, queria avisar que estamos no meio de uma pandemia. Isso mesmo, tem um vírus contaminando todo mundo e matando pessoas. Ele prefere gente velha igual o senhor, que tem mais de um milênio de vida. E, conhecendo seu histórico de festinhas e orgias, tenho certeza de que o senhor não está se protegendo como deveria. Fico preocupado com sua saúde, de verdade.

Até mesmo porque depois de tanto tempo conversando com o senhor, criei carinho. Não me leve a mal, ainda te acho um grande velho patético e mal intencionado. Mas é meu velho patético e mal intencionado favorito, que tenho vontade de proteger. Então este ano vou fazer diferente. Em vez do senhor me dar presentes, eu é que vou te dar algo. Junto com essa cartinha tem um estoque de máscaras e de álcool em gel pro senhor e pra Mamãe Noel usarem. E lembre-se de manter distanciamento dos elfos, eles são mais frágeis que o senhor e prometi protegê-los depois daquela greve de 2018.

Enfim, chega de falar do senhor porque esse assunto nem é tão interessante assim. Não sei se a última carta ainda está fresca na sua memória, mas as coisas ainda estão bem tensas aqui no galinheiro. Contei como o granjeiro tinha tomado umas decisões que deixaram o clima meio estranho. Pois bem, a pandemia gerou um novo grau de loucura nesse ser que é até difícil de contar.

Quando surgiram as primeiras notícias de aproximação do vírus, ele fez pouco caso e mandou todo mundo continuar trabalhando naquele ritmo insano de sempre. As galinhas foram confinadas em um espaço fechado e forçadas a produzir ovos pra atingir a meta diária. Eu continuei com minhas obrigações de frango garanhão reprodutor, inclusive com as aulas e com a tarefa de acordar todo mundo às cinco da madrugada. Como se o mundo não estivesse explodindo lá fora, o granjeiro disse que era só uma gripezinha, nada pior do que os surtos de gripe aviária que já tivemos antes.

Em uma coisa ele estava certo, a Covid-19 afetou menos a gente do que os seres humanos. Mas ela afetou e tivemos nossas perdas, com mais enterros do que estávamos acostumados. E aquele puto achando tudo normal, chegou até a falar que não era coveiro quando ameaçamos nos rebelar. Então tivemos que agir sozinhos pra nos proteger.

Adotamos medidas de segurança, com todo mundo mais quieto no poleiro e com máscaras sobre o bico. As galinhas fofoqueiras passaram a usar mais o WhatsApp em vez de ficar nas ruas conversando. E eu parei de ter encontros amorosos, embora ache que isso não tem a ver com a pandemia em si. Com isso, os casos aqui dentro ficaram muito baixos, o que nos deu um pouco mais de tranquilidade.

A prefeita também ajudou bastante nesse sentido. Se você não se lembra, há uns quatro anos a galinha gorda foi eleita e fez um ótimo trabalho, por mais que me doa dizer isso. Graças à competência dela, as galinhas respeitaram o confinamento e nossa unidade de pronto atendimento não ficou sobrecarregada. Isso garantiu uma reeleição tranquila pra ela. Até eu apertei feliz o número dela nas urnas. Acredito que estamos sob boas asas, pelo menos internamente. Mas o mesmo não podemos dizer do granjeiro.

Ele manteve o negacionismo até umas semanas atrás, quando ele próprio pegou a Covid-19. Lembra quando a Margaret Thatcher morreu e os britânicos fizeram festas? Foi mais ou menos o que aconteceu aqui no galinheiro. Foi um dia que tocamos o foda-se pra pandemia e saímos pra celebrar no meio das ruas. Aquele puto ficar doente era tudo o que queríamos. A última notícia que tivemos é que ele estava em estado grave, entubado e com 75% do pulmão comprometido. Espero que torcer pela morte desse filha da puta não me coloque na lista das aves más este ano. Mas se colocar, foda-se. Tô feliz pra um caralho. Tomara que empacote logo. Já vai tarde!

Se ele morrer, prometo ser um frango bonzinho o ano inteiro. Vou fazer minhas aulas sem reclamar, não vou ficar correndo atrás de todas as galinhas da granja e prometo até mesmo comer um pouquinho de milho. E o senhor sabe o quanto odeio essa bolota amarela desenhada pelo capeta, então vê o tamanho do sacrifício que estou propondo. Enfim, se tiver uma vacina será melhor ainda, aí vamos poder andar tranquilos nas ruas e voltarei a ter minha vida miserável de sempre. Bem que o senhor podia trazer essa vacina de presente…

Ah, estava quase esquecendo de uma coisa. Com toda essa questão de pandemia, não seria bom o senhor sair pra entregar presentes. Imagina você entrar na casa de alguém com Covid-19 e pegar a doença? Então queria te propor uma coisa. Em nome da nossa amizade recém construída, que tal eu comandar o trenó esse ano? Juro que vou fazer as entregas direitinho. Estou precisando dar uma saída desse galinheiro em nome da minha saúde mental e, bom, espero que o Rudolph não esteja com o vírus. Será meu presente de Natal perfeito. Podemos combinar assim?

São os votos carinhos do Frango!

P.S.: Esse tempo inteiro confinado em casa me fez acabar com todos os meus joguinhos de videogame. Se quiser me dar uns jogos novos, também não vou reclamar. Ou se quiser me dar uma namorada também, o que for mais fácil pro senhor.

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