Passados 50 segundos do exato momento em que teve a brilhante ideia de se apagar por completo, percebeu que seria impossível. Apagaria todo o corpo, mas o que sustentaria seus braços? E quanto ao polegar e ao indicador? Como seguraria a borracha? Acabou desestimulado. Como poderia fazer algo semelhante?

A camuflagem no deserto da rotina não seria difícil. Contudo, não resolveria. Sua mente estaria funcionando no meio de muitas outras, mas a consciência ainda existiria. Não desejava mais sua consciência. Sabia que a mesma era importante. Mas também acreditava que era desnecessária. E então se julgava um completo idiota. Entretanto, sempre voltava atrás, pois o que é bom para o pinguim pode não o ser para uma garça. Estava divagando… E se afastava do real objetivo. Mas a idéia de se fundir à multidão não era de tudo tão ridícula, conjecturou. Não resolveria, lembrou. Precisava se esquecer de si. Mas isso aconteceria! Não da forma correta.

Era preciso se deixar para trás. Mas não de forma substitutiva. Queria mesmo se apagar. Não adiantaria escamotear seu ego e viver ideologias alheias em nome da destruição do que era. Aliás, teve a impressão de que já vivia às custas dos outros. Com raiva, sentiu-se único e repudiou a possibilidade de estar pensando através das ideias já concebidas que há algum tempo ouvira. Quando teve indícios de que perderia o controle sobre suas emoções se conteve.

Sempre foi uma pessoa meticulosa e contida. Principalmente contida. Nunca se permitira extrapolar. Não queria extrapolar. Mas queria ser incomum. Que ser mais contraditório! Só podia ser humano… Voltemos à questão inicial. E se utilizasse uma bomba? E se engolisse uma bomba? Os pedaços que explodiriam ainda levariam consigo os fragmentos da sua mente? E se a mesma se multiplicasse? Se cada pedaço adquirisse uma porção igual ao todo seriam milhares de todos!

Isso seria simplesmente caótico. Então é assim que se explica o todo no nada… Claro… que não! 80 dias e vinte mil léguas… 24 horas para sobreviver… Uma matemática muito estranha estava se formando. Biologicamente falando, se seu sistema nervoso parasse de funcionar, seria ele um vegetal. Os vegetais não possuem consciência. Foi aí que tudo ficou claro. O caminho era se tornar um vegetal. Os monges vegetam? Haveria Buda se tornado uma bela flor de Lótus? Provavelmente.

Resolveu ponderar um pouco mais. A transformação em um vegetal não era nada simples. Era necessário desligar seu sistema nervoso, mas não queria danificar seu corpo. Não cogitava burlar a lei natural de auto-proteção. Meditou. Era tudo que podia fazer. Era o que devia fazer. Persistiu por algum tempo até que descobriu não dispor de paciência para tal. Não conseguia se concentrar também. Por todo o tempo esteve a imaginar imensos lagartos cor-de-rosa cuspindo água uns nos outros para apagar o fogo que imaginavam estar expelindo das ventas. Desistiu da meditação.

Olhou para os lados. Encontrava-se cercado por pessoas de todo tipo. Parado como estava, só fazia atrapalhar. Não seguia o fluxo. Não conseguia se mover. E todos andavam na mesma direção. Por que só ele não conseguia se mover? Já havia se transformado em um vegetal? Não. Ainda não. Seus olhos acompanhavam a realidade, embora não a transmitissem claramente para seu fragilizado cérebro. Assim permaneceu; parado; estático. Deixou-se levar ao sabor da brisa, que soprou mansamente em meio ao calor daquele dia. Ou seria noite? Não importava.

Aos poucos foi desvanecendo. Ou ao menos se imaginou invisível. Ninguém era capaz de enxergá-lo. Muito menos de tocá-lo. De fato não sentia o contato de ninguém. Repentinamente decidiu se movimentar. Conseguiu. Descrente da possibilidade de se tornar um vegetal a partir da premissa do simples alheamento aos fatos, achou que se manteria menos entediado se pelo menos caminhasse. Não deu mais do que 27 passos e então encontrou o que tanto procurava.

Extasiado, sentiu os olhos ficarem vidrados. Sua boca se abriu e seus ouvidos se fecharam para qualquer outra fonte que não fosse aquela enorme televisão.