E tem outra coisa…
Eoin Colfer
Publicado em 2009
Compre aqui
A notícia de que um sexto livro do Guia do Mochileiro das Galáxias seria lançado saiu em 2008. Quando li isso, minha cabeça dizia que não fazia sentido. Se Douglas Adams morreu em 2001, será que descobriram uma obra póstuma? Adams não era o cara que escrevia com o deadline apertando o pescoço? É certeza que ele nunca teria deixado outra obra pronta, de bobeira.
Foi quando li que o livro não seria do Adams, e sim do Eoin Colfer (leia-se Owen, não me pergunte o porquê), autor da série Artemis Fowl. Escrever uma continuação sem a presença do autor é pedir para os fãs ficarem com um pé atrás. O único caso que conheço em que isso foi bom aconteceu com Peter Pan e porque foi por uma causa nobre. Mas com o Guia não havia sentido.
Então, munido de todo o preconceito e curiosidade, fui ler o livro. Aliás, o preconceito aumentou ainda mais porque o livro tem a capa feia da editora Arqueiro. Aliás, saudade das capas da Sextante. Enfim, comecei a ler.
Em uma análise rápida, antes de me ater aos pequenos pontos, posso falar que é um bom livro, bem escrito e que respeita os personagens criados por Douglas Adams. Mas é completamente desnecessário. Não acrescenta quase nada ao universo do Guia e ainda tem uns problemas que a obra original não tinha. Vamos explicar isso melhor.
A trilogia original (sempre que eu falar trilogia, entenda-se os cinco livros escritos pelo Adams) era caracterizada pelo seu humor sarcástico, pelas críticas à sociedade e pela aleatoriedade da trama. O universo era usado para criticar muita coisa que acontecia na própria Terra. Situações improváveis brotavam nas páginas a todo instante e ninguém conseguia prever onde no tempo e espaço o livro acabaria.
Isso foi uma das coisas que apontei como um dos problemas do Guia, mas não deixa de ser uma importante característica dele. Quando Eoin Colfer pega os personagens criados por Adams, ele os coloca em linha reta e escreve uma história com início, meio e fim, coisa que nenhum dos outros Guias tem. Isso fica bem claro, por exemplo, na divisão dos capítulos. Se no primeiro Guia são 35 em 204 páginas, no livro do Colfer são apenas 12 em 366. Pode parecer uma coisa boba, mas desvirtua a ideia caótica do original. Os capítulos são extensos e divididos internamente de acordo com o lugar em que os personagens estão. De novo o problema da linha reta em uma história que originalmente era cheia de curvas e bifurcações.
Por falar em personagens, nesse ponto Eoin Colfer foi muito feliz. Arthur, Ford, Trillian, Zaphod e até mesmo Random seguem exatamente aquilo que foi escrito por Adams. Eles são o que esperamos deles depois de cinco livros acompanhando suas aventuras. Random, inclusive, ganha uma personalidade de fato nesse livro. Ponto para o Colfer nessa. Mas, ao mesmo tempo em que dou um ponto, tiro outros vários. Se na obra de Adams dificilmente víamos um personagem várias vezes, ou nunca uma expressão era utilizada à exaustão, com Colfer isso acontece. Ele resgata personagens que haviam sido criados e os coloca na história. Então temos um Wowbagger mais atuante, os vogons ganham, na medida do possível, personalidade e até as vacas que pedem para ser comidas estão de volta. inclusive chega a ser irritante você ouvir a todo momento que alguém ou alguma coisa é dupal.
Nesse ponto, E tem outra coisa… não acrescenta em nada à série original. Ele é uma revisita a tudo que a obra já foi. A capa em português, que já disse que acho muito feia, tem o mérito de destacar justamente os pontos novos da história. O ruivo vestido de ervilha é Hillman, líder de um grupo de sobreviventes terrestres e um dos pontos chaves da crítica ao Estado e à religião presente no livro. O queijo é o deus de adoração dos queijomantes, a colônia adversária de Hillman.
Na capa, em cima do Hillman/ervilha tem um martelo. Para quem conhece mitologia nórdica (não me incluo aí, desculpa mundo), esse é o Mjölnir, o martelo do deus Thor. Ele e toda a corja de deuses nórdicos estão na história e isso, pra mim, é o ponto mais crítico. Se a criatividade de Adams fez com que um universo inteiro fosse adaptado à realidade da Terra, Colfer faz o caminho contrário. Ele adapta a Terra para o universo e, com isso, a gente passa a ver elementos estritamente terrestres, como os deuses que a população acredita ou já acreditou, fazendo parte de algo maior na história. É uma relação que parece simples, mas que inverte tudo que o Adams escreveu.
Além disso, uma das coisas mais legais de toda a trilogia original eram as intervenções do próprio Guia. Elas surgiam orgânicas à história, eram engraçadas e irônicas. No livro escrito por Colfer é exatamente o contrário. Elas aparecem em itálico, em blocos no meio do texto intitulados “Nota do Guia”. Isso faz com que a leitura se quebre, sem contar que as informações não são tão engraçadas e irônicas. Sinal verde para pular, sem prejuízos para a história.
No final, a sensação é de que ele é bem escrito e respeita os personagens. Mas como não acrescenta em nada à série, não deveria ser vendido como um sexto livro. E tem outra coisa… é, no máximo, uma fanfic e precisa ser encarada como tal.
P.S.: Além da capa, que acho muito feia, o livro tem diversos erros de digitação e hifenização. Parabéns editora Arqueiro pelo trabalho realizado.
P.S.2: “Toda vez que o Universo desmoronava, Ford Prefect estava por perto. Ele e aquele livro maldito. Como é que se chamava mesmo? Ah, sim, O Dia do Mulambeiro é uma Falácia“. Única vez que ri sonoramente.
E tem outra coisa…
Eoin Colfer
Editora Arqueiro, 2011
368 páginas
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.