Notou que suas delicadas antenas eram completamente diferentes das demais. E por que não notara antes? Talvez tivesse passado muito tempo observando o formato dos outros e se esquecera de si. Mas era gritante a disparidade! Como era possível? Uma sensação de medo a dominou. Estava em um lugar muito perigoso. E todos eram estranhos. A qualquer momento poderiam devorá-la. Ou talvez optassem por desconectar cada parte de seu corpo, apenas por prazer. Começariam pelas pernas. Aquelas compridas pernas. Num átimo resolveu dar atenção especial às pernas e analisá-las. E, veja só! Totalmente fora do padrão! Sentiu calafrios. Começou a tremer. Reuniu forças para não desmaiar, mas acabou denunciando seu pânico e foi surpreendida por diversos olhares. Fatalmente adormeceu.
Ao acordar percebeu que estava cercada. Sentiu-se uma intrusa. Conseguiu fingir que ainda dormia. Semicerrando os olhos observou o ambiente à sua volta. Planejou saltar para longe e voar o mais rápido que pudesse. Mas não poderia controlar sua velocidade; era preciso contar com a ajuda do vento para que pudesse planar para um local seguro de maneira veloz. Apurou a audição para captar qual seria sua sentença, mas percebeu que não entendia uma palavra do que diziam. Sentiu-se profundamente enganada. Como foram capazes de mentir de forma tão ardilosa? Havia passado toda a vida naquela comunidade! Como podia não entender o que diziam? Aliás, como não perceber que não era da mesma espécie que os demais? Seria esse o cúmulo da distração? Ou da idiotia?
Tentou se persuadir a levantar e encarar a situação da forma mais hostil possível. Atacaria. Mostraria que era louca e assustaria a todos. Logo desistiu, vendo que não resistiria mais do que 20 segundos. Além disso, ninguém até agora a havia ferido ou ameaçado. Mas as coisas não poderiam ficar como estavam. Precisava de explicações e precisava já.
Abriu os olhos. Levantou-se. Sentiu o calor dos olhares a ela dirigidos e ficou perplexa ao perceber que todos sorriam. Foi então que começaram a falar diretamente a ela. Todos ao mesmo tempo. Aquilo a incomodou profundamente. E não se mostrou nada produtivo: não conseguia entender nada. Concentrou toda sua atenção para que pudesse compreender, mas de nada havia valido tal esforço.
Por fim, teve uma brilhante idéia: deixaria claras as suas diferenças. Começaria a se exibir para todos, acentuando aquilo que mais a distanciava dos demais. Por um instante quis desistir, afinal, causaria espanto e, provavelmente, incitaria algum tipo de revolta. Fortaleceu o pensamento imaginando que a acusariam de usurpadora e viriam a inquiri-la, uma vez que se tratasse de uma espiã ou coisa do tipo. Mas lembrou dos sorrisos de todos e do tratamento hospitaleiro que a ela dispensavam. Pensou também na possibilidade de estar louca, pois mais ninguém havia se preocupado com as diferenças. Mas eram tão gritantes! Talvez não fossem… O importante é que seria impossível sustentar aquilo.
Aliás, ainda não conseguia entender o porquê de não ter percebido antes. Foi então que aconteceu. Enquanto elucubrava sobre o que faria, percebeu uma luz esverdeada se acender em seu abdômen, sem que ela mandasse ou mesmo que ela sentisse. Falhou alguns instantes, como se quisesse se apagar, mas após essa espécie de aquecimento, manteve-se fortemente acesa. Brilhava de forma tão intensa! Ela não conseguia entender. Como podia produzir luz?
Pensou então que tudo estava acabado. Não conseguiria mais explicações. Não mais viveria. Seria presa e examinada como um grande mistério. Seria impossível escapar daquela multidão. Fechou os olhos. Sentiu que sua alma era verde. Passados alguns segundos em que aguardou ser agarrada e enjaulada, ou mesmo esquartejada, achou estranho ainda estar viva e resolveu abrir os olhos.
Aih!! Não conseguiu conter um gritinho. Ao reabrir os olhos notou que a multidão se multiplicara. Milhares de vezes! E, além disso, o que antes era uma massa uniforme transformou-se em uma variedade inimaginável de seres. Não havia ninguém igual a ninguém. Pernas curtas, compridas, asas, manchas, cores, tudo diferia. Todos eles sorriam. Piscou várias vezes, tentando corrigir a visão, mas de nada adiantara. Quando sentiu as pernas tremerem e achou que iria desmaiar novamente, algo a manteve de pé, embora petrificada: todos aqueles seres começaram a emanar luz verde de seus corpos.
Com a mente em algum local já distante, prestes a entrar em estado de loucura, ouviu o que talvez fossem as palavras mais esclarecedoras de toda a sua existência: “Nós somos você!”
Viajo há muito tempo percorrendo vários sistemas bem diferentes. A gravidade do planeta Química exerce forte atração sobre mim, mas o astro chamado Literatura é aquele no qual me sinto mais confortável. Nos entremeios e desencontros do caminho, músicas e histórias me ajudam a não perder o rumo.