Constante. A chuva que dança em meu telhado é exatamente como a vida. Talvez seja um tanto quanto pueril essa comparação, mas a acho bastante plausível. Nasce uma nuvem. Condensa-se o vapor d’água que logo é contaminado pelas impurezas do mundo. Acinzentada torna-se sua roupagem até que, no momento crucial, é preciso abandonar a estabilidade dos algodões, muitas vezes de forma truculenta e trovejante. Mas aí vão as esperanças. Gotas e mais gotas ávidas por melhorar o mundo tentam contribuir com sua parte. E é claro que há aquelas endurecidas que se transformam em granizo, acabando por ferir alguém. Mas, no fim, todas possuem a mesma composição.
Com certeza me perguntariam: e quanto às tempestades? Ao que eu responderia: e quanto às guerras? É de se esperar que pensem que o planeta sofre com isso. Não discordo, todavia concluo que quem tem sentimentos, consciência e remorso não é a Terra. Erosões pluviais e explosões atômicas deveriam ser a mesma coisa. Conceitualmente, é claro. Na prática já têm a mesma importância, o mesmo impacto. Lançam-se ações, que atingem o chão assim como a chuva. Tudo depende da intenção, ou melhor, da intensidade dessa chuva. O que não faz diferença é se estamos realmente falando de bombas. É tudo questão política, e a política do céu diz: “dominemos a Terra!”, enquanto aqui em baixo a ordem é outra: “conquistemos os céus!”.
É extremamente delicada a existência de regras nas nuvens. Imagina-se que o ciclo é simples: evapora, condensa e desce. Mas, também, costumam simplificar a vida: nasce, cresce e morre. É por isso que insisto em dizer que a chuva é igual à vida. Como fundamentação argumentativa, faço minhas as tradicionais frases de algum inventor de clichês: “a vida é para ser vivida” e “se está na chuva é para se molhar”. Uma vez vivos devemos viver e uma vez na chuva é inevitável se molhar, certo? Prosseguindo com a questão da simplicidade cíclica da chuva, não é um tanto quanto simples demais? Creio que sim, o que a aproxima ainda mais de nosso ciclo vital.
Aparentemente muito simples. Mas qual é a essência da vida? E qual é o motivo pelo qual a água procura o chão? Racionalismo e leis da Física à parte, acredito que esses enigmas ainda são as formas mais interessantes de expressão de conhecimentos. Que ser humano em sã consciência se atreveria a chamar para si o direito de resposta? Simples ou não a vida costuma ser mais do que um mero ciclo.
Analisando a sensação mórbida causada por dias nublados é de se esperar que as intermitentes cachoeiras celestes sejam as próprias emissárias da tristeza. Porém, creio que naturalmente a maioria dos seres vivos sente-se extasiado ao receber o banho dos anjos – tão merecido! – ao passo que poucos (talvez apenas os seres humanos) exaltam-se e prontamente bradam contra a maravilha dos céus. Mais impressionante é a semelhança entre tal atitude e a relação homem-vida.
Ainda duvida? Estando o ser humano insatisfeito com sua vida, põe-se a reclamar do mau tempo. Estranhamente, contudo, reclama do tédio de uma vida perfeita e por isso necessita da chuva. Não considere a chuva como sinônimo de “problema”, mas de “vida”. Como o ser humano pode querer vida? Oras! Como viver se não se tem vida? A vida é questão. É problema e trabalho.
Na verdade tudo é providencial. Não me atrevo a dizer que uma morte, um acidente, um raio ou um tufão também não o sejam. As peripécias divinas são muito mais intrigantes do que o Antigo Egito e seus hieróglifos. Mas, se não existem hipogrifos, por que inventá-los? O que quero dizer é que, quanto mais inexplicável, menos viável será uma resposta. E o que o homem acaba fazendo é inventar caminhos que o impeçam de alcançar o conhecimento. Simplesmente por medo, talvez. Contudo, no fim, irremediavelmente teremos evaporado. Resta saber se voltaremos a nos condensar.
Viajo há muito tempo percorrendo vários sistemas bem diferentes. A gravidade do planeta Química exerce forte atração sobre mim, mas o astro chamado Literatura é aquele no qual me sinto mais confortável. Nos entremeios e desencontros do caminho, músicas e histórias me ajudam a não perder o rumo.