Diário do outro
Ronald Claver
Publicado em 1989
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Uma das coisas mais legais da minha casa é que ela tem uma estante de livros que é mais velha do que eu. Não que minha família seja composta por leitores ávidos, mas pelo número de livros na estante dá pra perceber que, em algum momento do espaço-tempo, alguém aqui em casa leu bastante.
Quando eu era mais novo, uma das minhas diversões era revirar essa estante para ver o que tinha dentro. Em uma dessas aventuras pelo submundo da poeira, no alto dos meus doze anos, descobri um livro que chamou minha atenção na hora. O motivo era bem simples: o escudo do galo na capa.
Foi por causa do escudo do glorioso Clube Atlético Mineiro que me apossei do livro e descobri Diário do Outro. O livro pertenceu à minha irmã, em 1991 (ela tinha 13 anos e eu era um bebê), mas na verdade ele é de 1989 (quando nasci).
Escrito pelo belo-horizontino e atleticano Ronald Claver, o livro conta a história de Carlinhos, um menino de uns 12 ou 13 anos. Porém a história começa com ele já mais velho, quando recebe pelo correio uma remessa de cadernos antigos que o irmão encontrou no meio dos livros do pai. A partir desse ponto o livro é nostalgia pura.
Antes de qualquer coisa, preciso dizer que ler um livro sobre a nossa cidade natal tem um gostinho muito especial. Mesmo que o livro não fale exatamente de Belo Horizonte, ela está lá. E se tudo começa com ele pensando em jogar o pacote de cadernos no Ribeirão Arrudas, um sorriso bobo já se forma no meu rosto.
Dito isso, vamos voltar pro livro. O mais legal é que ele é todo escrito em forma de diário. Carlinhos é um moleque que sonha em ser escritor. Em uma conversa com o pai, ele recebe o conselho de manter um diário. É então que passamos a acompanhar o dia a dia dele.
Me lembro bem do sentimento de quando li o livro pela primeira vez. Isso não é por acaso. Apesar das diferenças de gerações, Diário do Outro retrata bem a vida de um adolescente típico. Os pequenos flashes que Carlinhos escreve no diário dizem muito sobre o que todo mundo passa nessa fase. São momentos simples, como uma festa de aniversário ou um campeonato de futebol de botão com os amigos (que pode ser substituído por um campeonato de vídeo-game, por que não?) que dão todo o tom da trama e nos fazem tão próximos dela.
Afinal, quem nunca? Quem nunca teve suas primeiras paixonites? Quem nunca gostou de uma menina, mas ficava todo feliz quando encontrava a bonitona da rua? Ou qual menino nunca pensou nessas meninas na hora do banho, “enquanto ensaboava o sexo do corpo”, nas palavras do próprio autor? E o medo de ir ao cinema pela primeira vez com a menina dos seus sonhos e fazer merda? Pois é. Passei por tudo isso aí.
Para completar, a história é ambientada no início da década de 60, ou seja, logo antes de estourar o Golpe Militar de 1964. O pai de Carlinhos é um jornalista super politizado e que vai contra o Estado. Sob a ótica de um menino de 13 anos, isso tem pouca importância. Porém os impactos do golpe refletem diretamente na sua família, então eles são bem importantes para a história.
“Indiferente ao golpe militar que poderia estar acontecendo, aos destinos do país e ao meu próprio destino, eu tratei de confirmar o cineminha com Carol. Aquele encontro não significava não uma revoluçãozinha qualquer, mas uma guerra nuclear em mim.”
E graças aos pequenos detalhes, como o Jornal do Outro, a tia Lili, o mandioca, a expectativa pelo jogão entre Atlético e Botafogo, o Big Ben (o amigo imaginário/conselheiro) e diversas frases e referências a outros escritores famosos, o livro se torna uma agradável leitura. Foi bom ter resgatado ele da estante!
Diário do Outro
Ronald Claver
Atual Editora, 1989 – 6ª Edição
99 páginas
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.