O hobbit
J. R. R. Tolkien
Publicado em 1937
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Acho O Hobbit melhor que O Senhor dos Anéis. Antes que alguém venha falar que isso é heresia, peço que leia este texto. Tinha essa impressão sempre que terminava os livros do Tolkien. Agora que estou relendo pela milésima vez, decidi tentar entender o porquê de achar isso.
Para quem não sabe nada sobre o primeiro livro do Tolkien, morra. Brincadeira. Deixa eu começar falando sobre o que é O Hobbit e a história que o cerca. Tudo começou no início da década de 1930, quando Tolkien estava trabalhando, pegou um papel em branco e escreveu a frase “Numa toca no chão vivia um hobbit”. Essa é a abertura do livro e o ponto de partida para todo o universo criado pelo autor.
Em 21 de setembro de 1937, O Hobbit foi lançado. Com ilustrações do próprio Tolkien, o livro contava a aventura de Bilbo Bolseiro, um hobbit não muito chegado a aventuras, que parte junto com uma comitiva de anões para matar um dragão e recuperar um tesouro em uma terra distante.
O livro é, basicamente, uma história infanto-juvenil. Tentar classificar ele de outra forma é bobeira, mas nem por isso deixa de ser recomendado para os adultos, tanto por ser anterior à trilogia do anel quanto pela habilidade literária de Tolkien. Para começar, vamos pensar na forma narrativa usada. Durante a leitura, a impressão é que estamos sentados no tapete de casa, com alguém bem habilidoso contando a história. Nos sentimos seguros, com aquele gostinho de a história é só nossa. Isso tudo é graças ao narrador, que em vários pontos se destaca e conversa diretamente com a gente. O tom é bem coloquial (diferente da trilogia do anel, por exemplo), imprimindo um ritmo rápido, mas ao mesmo tempo bem alegre.
Outro ponto que contribui para essa sensação é que o livro é todo construído a partir de pequenos acontecimentos. Cada capítulo tem um início, um meio e um fim, como em um folhetim. Por se tratar de uma jornada geograficamente longa, as possibilidades de mudanças de cenários são imensas e Tolkien explora bem várias delas. Além disso, em cada um desses lugares temos a oportunidade de conhecer seres diferentes, o que engrandece a história.
Se tudo começa no Condado, no capítulo seguinte já estamos na estrada com os trolls, no terceiro vamos para Valfenda, depois para as Montanhas Sombrias, somos encurralados por Lobos, voamos em águias, entramos e saímos de uma floresta, visitamos os elfos, os homens da Cidade do Lago e a Montanha Sombria. E, para completar, ainda sobra tempo para uma guerra. Todas as pequenas histórias são iniciadas, desenvolvidas e finalizadas em um mesmo capítulo, o que dá uma dinamicidade e passa a impressão de que é realmente uma história sendo contada em roda.
Isso é amplificado pelo carisma dos personagens principais. Bilbo é, claro, o protagonista e quem rouba todas as luzes do livro. A história é focada nele e, por isso, é o personagem mais bem desenvolvido. No começo da história, Gandalf apresenta Bilbo como o ladrão que ajudará os anões na jornada, mesmo ele não sendo isso e não ser nem um pouco inclinado a aventuras. Porém ele topa o desafio e, aos poucos, assume a liderança da comitiva. São deles as atitudes mais corajosas e o pensamento de sempre salvar o grupo.
Todo esse desenvolvimento é causado por Gandalf, o mago. Foi ele que insistiu para Bilbo ir, foi ele que continuou insistindo para que os anões acreditassem em Bilbo quando ele fez merda e foi ele que esteve ao lado do hobbit sempre. Quando Gandalf deixa o grupo caminhar com as próprias pernas, deixa Bilbo como um dos líderes, sendo que o seu papel para isso foi fundamental.
Porém nem todos os personagens são tão bem desenvolvidos quanto o hobbit. Dos trezes anões que seguem na busca, pouca coisa é dita. Sabemos que Fili e Kili são os mais novos e os mais ousados, que Bombur é gordo e nada mais. Só sabemos de Thorin Escudo-de-Carvalho porque ele é o principal anão, filho de grandes reis. O resto é genérico.
Mas isso não é, em momento algum, um problema. Pelo contrário. Como ela é muito mais ágil e simples do que O Senhor dos Anéis (onde cada um tem seu momento de destaque), os anões simplesmente compõem a comitiva. Nos acostumamos com eles por ali e tem horas que é divertido tentar descobrir quem está faltando.
Mas se os anões não se diferenciam, outro grande personagem de O Hobbit faz isso muito bem. As conversas entre Bilbo e o dragão Smaug estão entre as melhores coisas. Inteligente e com boa lábia, Smaug é capaz de te convencer a qualquer coisa. E não duvide que ele tentará. Ao mesmo tempo, é um inimigo perigosíssimo, capaz de destruir vilarejos e anões com um piscar de olhos. Sem dúvidas o melhor personagem e o mais bem desenvolvido depois de Bilbo Bolseiro, e olha que ele nem aparece tanto quanto os anões.
Tirando esses pontos, não dá para falar de O Hobbit sem falar que ele é o embrião para a trilogia do anel. É nesse livro que o Um Anel aparece pela primeira vez e o jogo de adivinhações no escuro é o capítulo mais sensacional escrito por Tolkien. Desde a apresentação do Gollum até a fuga de Bilbo, cada palavra merece ser lida com atenção, pois o fascínio causado pelo anel é todo mostrado. E chega a ser triste quando Gollum percebe que perdeu o “precioso”.
A última coisa que quero destacar é o subtítulo. Deixei por último porque considero de uma simplicidade absurda e, ao mesmo tempo, uma das frases mais legais de todo o livro. “Lá e de volta outra vez” é a síntese de toda a história. É a simplificação de qualquer busca bem sucedida, mostrando a importância tanto do objetivo quanto do retorno. É o melhor subtítulo que o livro poderia ter.
Enfim, O Hobbit pode não ter a grandiosidade e a inventividade de O Senhor dos Anéis, mas nem por isso ele é uma obra menor. Muito pelo contrário. É por ele ser um livro tão bem amarrado, tão divertido e tão direto, mas ainda com a marca do Tolkien, que considero ele melhor que a história de Frodo.
De qualquer forma, um livro excepcional.
O Hobbit
J. R. R. Tolkien
Editora Martins Fontes, 2003
299 páginas
P.S.: Reli O Hobbit porque comprei Contos Inacabados e Os Filhos de Húrin, então tô fazendo uma retrospectiva Tolkien. Próximas leituras, na sequência: Sociedade do Anel, As duas Torres, Silmarillon, Contos Inacabados e Filhos de Húrin.
P.S. 2: Precisa nem falar que tô empolgadão com o filme d’O Hobbit, né? Acho que já deixei claro no post gigantesco. Se você não vive nesse planeta e não assistiu ao trailer do filme, assiste agora.
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.