A maior injustiça em ser um frango é ser chamado de ave e não conseguir voar. É frustrante. Todas as outras aves que não voam têm um diferencial: o pinguim nada, o avestruz corre, o pavão é bonito e o kiwi tem nome de fruta. E os frangos? Servem como comida. Só.
Quem assistiu ao filme A Fuga das galinhas entende nosso drama. Aliás, não sei quem classificou aquele filme como infantil. Na verdade é um terror psicológico fudido. Pensa comigo: um bando de galinhas mantidas em cativeiro que querem sair de lá a qualquer custo e encontram um galo golpista que diz poder voar. VO-AR.
Não é a toa que ele é tratado como o pica das galáxias. As galinha pira com quem sabe voar. Não adianta nada ser o garanhão reprodutor da granja se elas te largam na hora que veem um pato. Sim, um pato. Até aqueles bichos escrotos têm mais moral aqui do que eu.
Quer ver elas ficando doidas? É só passam um gavião voando. Parece que o galinheiro se transforma numa obra. Você escuta gritos de “gostoso”, “ê no meu ninho”, “me leva pras alturas” e coisas piores que eu não vou reproduzir aqui porque isso é um blog de família.
Se esses gaviões fizessem uma boy band, então, seria o fim da minha carreira de pegador. Não que eu seja um pegador, mas se eles fizessem isso iam acabar com as minhas poucas chances de ficar com alguma galinha. Não tem como competir com eles. Além de serem fortes e bonitos, eles voam. Imagina se eles começarem a cantar e dançar. Aí sim eu estaria fudido. Nem a galinha gorda com celulite iria me querer.
Mas deixa eu parar de dar ideia tosca. Onde parei mesmo? Ah é, no granjeiro. Depois que ele assistiu ao filme das galinhas taradas fugitivas, ele incrementou a segurança do galinheiro. Como se alguém aqui estivesse a fim de fugir. Ele dá comida, casa e roupa lavada e tá achando que alguém vai se rebelar? Inocente.
Vê se vou reclamar de um lugar em que sou o único frango com idade sexualmente ativa, rodeado por galinhas que não fazem mais nada da vida além de botar ovos e falar mal das vizinhas. Elas também não têm nada do que reclamar. As galinhas do filme queriam fugir para o paraíso, que ficava do lado de fora da cerca. Será que é paraíso mesmo?
Pra começar, ele deve ser ao ar livre. A gente deve ter que caçar comida, viver se escondendo de possíveis predadores, construir nossas próprias casas. Dai-me paciência, né. Quem em sã consciência tem esse pesadelo como meta de vida? Eu tô muito bem aqui, sendo mantido pelo granjeiro. Quero vida dura não, meu povo.
Ainda bem que aqui no galinheiro ninguém faz revolução. Se algum dia alguém inventar isso, vou ficar só assistindo de camarote e, se der, ainda tento acertar umas pedras nas cabeças dos manifestantes. Quem já viu se rebelar quando a vida tá boa?
Começou a escrever em 2008 para fugir de uma rotina massante no galinheiro e descobriu que era bom naquilo. Ou pelo menos achava que era, já que nunca conseguiu dar nenhum beijo na boca por seus textos. Dizem por aí que continua virgem, mas ele nega.