Em chamas
Suzanne Collins
Publicado em 2009
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Aviso: Este texto está cheio de spoilers sobre os acontecimentos de Jogos Vorazes.
Quando terminei de ler Jogos Vorazes, disse que Suzanne Collins tinha uma história com muito potencial nas mãos, mas não aproveitou tudo que poderia. Relevei porque era apenas o primeiro livro de uma trilogia, na esperança de que os próximos fizessem jus ao potencial criado. Ledo engano…
Antes de falar dos problemas, vamos fazer um resumo da história. Após a vitória de Katniss Everdeen e Peeta Mellark na 74ª edição dos jogos vorazes, os dois voltaram para o Distrito 12 com todas as honrarias. Porém a Capital não está nem um pouco satisfeita com Katniss, que se transformou involuntariamente no símbolo de uma revolução que estava latente em Panem. Enquanto ela precisa manter o romance de fachada com Peeta, ainda tem que lutar contra as investidas da Capital para destruí-la.
Depois de ver o resumo que escrevi, juro que quis reler o livro. Sério. Contada desse jeito, a história parece muito boa. E ela é, juro. Mas, novamente, a melhor parte do livro é trabalhada apenas nos detalhes, nunca chegando ao plano principal.
A narração em primeira pessoa feita pela Katniss traz mais problemas do que vantagens. O começo de Em Chamas é muito lento porque acompanha o drama da menina, que se sente entediada em meio a tanto luxo e se vê no meio de um triângulo amoroso. Outro ponto-chave é o papel de Katniss na rebelião. Como ela nunca sabe das coisas que estão ocorrendo em outros distritos, nós, por tabela, também não ficamos sabendo. E isso acontece durante todo o livro, chegando ao cúmulo dos amigos evitarem de contar as coisas para ela.
Além disso, aquela menina forte do primeiro livro dá lugar a uma cheia de dúvidas, preocupada com problemas bobos e levemente revoltada. Enquanto ela deveria se preocupar com a rebelião, ela se preocupa com o bem-estar de Peeta ou de Gale. Tudo isso é compreensivo por ser um livro voltado para jovens-adultos, mas fazer com que todas as atitudes dela sejam tomadas de forma egoísta é subestimar a capacidade do leitor em lidar com problemas mais sérios.
O potencial da história criada por Suzanne Collins se mostra nos detalhes apresentados ao longo da trama. Durante a Turnê da Vitória, quando Katniss e Peeta precisam visitar todos os distritos, os sinais da revolução estão lá. O que ocorre no distrito 11, de onde vinha Rue – a aliada de Katniss nos jogos – é só o menor reflexo disso. Quando enfim descobrimos o que está rolando no distrito 8, vemos que muito mais poderia ser contado, mas não foi.
Outro detalhe que é apenas pincelado, é como as informações são manipuladas pela mídia (controlada por um estado totalitário) e como elas são distribuídas para os distritos e para os próprios moradores da Capital. Ninguém pode saber o que está acontecendo em outros distritos, não há troca de informações entre as pessoas. Essa é uma ferramenta muito eficiente de um estado totalitário: basta lembrar como Hitler controlava a população alemã com um eficiente sistema de propaganda. E isso é apenas mostrado de leve.
O livro só engatilha na metade, quando é anunciada a terceira edição do Massacre Quaternário. Calma, eu explico. A cada 25 anos é realizada uma edição especial dos jogos vorazes, com regras especiais para mostrar como a Capital é fodona e pode subjugar os distritos do jeito que quiser. A regra especial da terceira edição é que os tributos serão ex-vencedores dos jogos, um homem e uma mulher por distrito. Com isso, Katniss e Peeta voltam para a arena e é aí que tudo fica mais interessante.
Não vou entrar em detalhes do que acontece durante o Massacre porque perderia a graça, mas vou pegar os detalhes novamente. São as atitudes de todos os personagens (menos da Katniss) que mostram o quanto eles estão descontentes com as atitudes da Capital.
É no Em Chamas que descobrimos como Haymitch venceu sua edição e como isso também impactou a soberania da Capital. A revolta silenciosa de Cinna, estilista de Katniss, é muito classuda. Até os outros participantes do Massacre mostram, em suas falas e atitudes, o quanto são contra aquela barbárie cometida ano a ano.
Sendo assim, podemos pensar que Jogos Vorazes é como o combustível para o início da rebelião e Em Chamas é a ignição, quando as pessoas realmente começam a agir. Menos Katniss. Posso parecer chato ao martelar isso a todo instante, mas é por causa dela que vejo tantos problemas no livro. Quando Suzanne Collins escolheu um narrador em primeira pessoa, ela matou tudo que tinha de mais interessante na distopia criada e colocou os dramas pessoais na frente.
Espero que A Esperança seja o ápice da revolução e menos os problemas de Katniss. Mas estou sendo otimista demais, principalmente se levar em consideração o que foi feito até aqui. Suzanne tem apenas mais um livro para fazer tudo funcionar e quero muito saber como essa história vai terminar. Para o bem ou para o mal.
Em Chamas
Suzanne Collins
Editora Rocco, 2011
413 páginas
Tradução: Alexandre D’Elia
P.S.: O simbolismo das capas (desde as cores até a posição do tordo) é muito legal. Vou falar disso quando terminar de ler o último livro.
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.