A sociedade do anel
J. R. R. Tolkien
Publicado em 1954
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Li O Senhor dos Anéis pela primeira vez quando ainda era moleque, no alto dos meus 12 ou 13 anos. Sabe aquele calhamaço com mais de mil páginas e cerca de um quilo? Eu deixava de carregar os livros da escola para dar espaço pra ele na mochila. Fiquei assim por mais ou menos um mês e, ao final, já havia sido levado de vez para a Terra Média.
Desde então devo ter lido O Senhor dos Anéis mais umas duas vezes. Estou começando a terceira, mas essa é a primeira vez que leio após já ter lido O Silmarillion. Como meu conhecimento da Terra Média está maior, o prazer em ler A Sociedade do Anel é ampliado.
Para quem não sabe, a trilogia do anel não são três livros, mas sim seis. A Sociedade do Anel apresenta a história dos dois primeiros: O Livro I acompanha o desfecho da história de Bilbo (iniciada em O Hobbit) e a saída de Frodo Bolseiro do Condado até sua chegada a Valfenda. O Livro II mostra a formação da sociedade do anel e a viagem até Rauros, onde cada membro da comitiva precisa decidir o caminho que tomará na guerra vindoura.
Para quem saiu direto da leitura de O Hobbit para O Senhor dos Anéis, há um momento de susto pela diferença de estilos. Quando eu falei de O Hobbit, comentei que ele é um livro infanto-juvenil e isso reflete no modo como é contado. Já O Senhor dos Anéis é uma narrativa mais madura e destoa do que era feito no primeiro livro de Tolkien.
Logo de cara dá para perceber o excesso de detalhes que o autor vai colocar na obra. A festa de aniversário do Bilbo, com milhões de hobbits de diferentes famílias e características distintas, é só uma prévia do que está por vir.
Esse é o principal ponto que afasta as pessoas. O argumento mais usado é que Tolkien é muito prolixo, que descreve cada folha de grama e se esquece de desenvolver a história. Concordo com a crítica, mas se não fossem por essas descrições, a trilogia do anel não teria a grandiosidade que tem.
Não é a história, os personagens ou a forma narrativa que torna O Senhor dos Anéis tão grande. É a própria Terra-Média. O universo criado por Tolkien possui uma mitologia tão extensa que é difícil imaginar que tudo tenha vindo de uma só cabeça. Em meio a uma das viagens, por exemplo, eles cantam a balada de Beren e Lúthien, que é uma das passagens mais bonitas de O Silmarillion. A princípio ela nada tem a ver com a história principal, mas sim com algo muito antigo daquela terra. Isso sem contar as diversas línguas que o autor criou especificamente para o livro, como o élfico, que são trabalhos de um filólogo dedicado.
Os detalhes servem para dar mais veracidade à história. E se às vezes Tolkien parece exagerar, tudo contribui para deixar os livros com mais peso do que eles realmente aparentam. Ao final da leitura podemos ficar com a impressão que elfos realmente existiram e somos o futuro daqueles homens que lutaram contra Mordor, mas que já se esqueceram de suas glórias de um passado muito distante.
Mas esses comentários servem para a trilogia como um todo e estou aqui para falar especificamente do primeiro volume: A Sociedade do Anel. Então vamos a ele.
Esse primeiro livro tem a função, assim como qualquer início de trilogia, de apresentar os personagens, suas motivações e o contexto que os guiará até o final da jornada. Tudo começa bonito e feliz no Condado, uma terra protegida para não receber as maldades vindas do sul. À medida em que a trama avança, o clima fica cada vez mais pesado. Essa sensação pior anos livros seguintes e tudo é graças ao anel.
O “Um anel para todos governar” é um baita de um personagem, mesmo sendo apenas um objeto. Ele tem vontade própria, luta a todo instante contra seu portador e quer, de qualquer maneira, voltar para Mordor e para o seu criador. A história de como ele destruiu Smeagol/Gollum, o poder dele sobre Bilbo ou a insistência que os sábios têm de nem encostar nele só mostram o quão poderoso ele é.
Todos os outros integrantes da comitiva do anel também merecem destaque. Gandalf nós já conhecemos de O Hobbit, mas nesse livro ele tem papel fundamental, ganhando novas camadas graças à jornada mais difícil de sua vida. Passolargo/Aragorn é outro que ganha personalidade aos poucos. Como os hobbits o conhecem como um andarilho, ele só ganha ares de força e nobreza no final, principalmente quando atingem os Argonath, os Pilares dos Reis.
Legolas, o elfo, e Gimli, o anão, começam a construir algo que será muito marcante nos dois nos próximos livros: a amizade inesperada. Boromir é o personagem que passa pela mudança mais desesperada de todo o livro, corrompido pelo desespero e pelo poder do anel que ele nem chegou a possuir. É dele uma das cenas mais importantes, já no final, que mostra o quanto é fácil corromper os homens com a possibilidade do poder.
Os últimos quatro membros da comitiva são os hobbits. Gosto dessas criaturas desde o livro de Bilbo, mas é em O Senhor dos Anéis que o fascínio por eles aumenta. Frodo, Sam, Merry e Pippin são os únicos sem treinamento, os mais frágeis. É a partir deles que sentimos como é empreender uma jornada tão desesperadora. Apesar de Merry e Pippin não serem tão fundamentais nesse livro, eles têm a chance de brilhar nos seguintes, então A Sociedade do Anel é só um aperitivo. Já Frodo e Sam são personagens completos e mostram desde cedo a importância fundamental que têm para a história.
Além dos personagens, os locais visitados são tão especiais quanto. Os grandes destaques são a Floresta Velha, a Colina dos Ventos, Valfenda, Moria e Lothlórien. O mais interessante é que os cenários causam uma sensação incômoda sempre, seja por serem sufocantes (como a Floresta Velha), claustrofóbicos (Moria) ou desprotegidos (Colina dos Ventos). Até os lugares acolhedores, apesar de belos, guardam muitos segredos e causam, a todo instante, a sensação de que estão desviando a atenção da comitiva do objetivo maior.
Aqui falo novamente das descrições detalhadas de Tolkien. É só quando ele apresenta os milhões de pormenores de cada um desses cenários que passamos a conhecê-los melhor. É possível visualizar perfeitamente a beleza de Lothlórien, pois sabemos como são até as folhas das árvores. Nos sentimos desorientados em Moria porque o escuro toma conta da descrição. É algo impressionante que o Tolkien consegue fazer com perfeição.
E o que falar da presença constante do medo? Ao mesmo tempo que os hobbits são perseguidos a todo instante pelos espectros dos anéis, ainda têm que lidar com a incômoda presença de Gollum. Esse personagem, tão importante nos livros seguintes, está a espreita e Tolkien consegue mostrar isso nos detalhes. Quando você lê pela primeira vez, só compreende no final do livro. Mas uma segundo leitura te permite ver onde começou a perseguição e o quão obstinado ele é.
Enfim, críticas ao detalhismo a parte, A Sociedade do Anel é um livro fantástico. Apresenta um universo completamente novo, constrói um conceito de mal que realmente nos faz ter medo e termina colocando em cheque a segurança da jornada e do futuro incerto de todos os personagens principais.
Sem dúvidas uma das maiores obras de fantasia de todos os tempos.
O Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel
J. R. R. Tolkien
Martins Fontes, 2009
434 páginas
Tradução: Lenita Maria Rimoli Esteves e Almiro Pisetta
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.