Encontrei-me perdido naquela floresta densa quando já anoitecia. Ao perceber que havia perdido o mapa, senti uma felicidade fugaz: caso ainda possuísse, estaria perdido e frustrado – nunca soube ler mapas. Além do mais, o momento exigia fibra. Muito mais do que senso de orientação. As estrelas acovardavam-se atrás das copas, tímidas em seu mínimo dever de guiar algum viajante desgarrado. A lua, se cantada, teria de se crer apenas por criatividade e pavonices de sonhador. E tudo isso me trazia conforto. De forma tal que passei a um estado confortável de medo e inquietação, ao qual meu corpo respondeu com tremores e suor frio. Suportei de maneira primorosa para um perdido de primeira viagem! Veja bem você, que atira os olhos contra essas palavras aparentemente inofensivas: fui capaz de não gritar, não chorar, não arrancar meus cabelos e, muito heroicamente, não perder meu senso de humor! Ainda que camisa contra o vento no varal! Tudo era halloween! Comecei a me imaginar fantasiado: túnica vermelhossangue e máscara demoníaca; na mão esquerda um pequeno cesto antigo, clichê aboboriforme. Cheguei até mesmo a bater noc-noc em uma das imensas árvores retorcidas que se fazia mais próxima travessuras ou gostosuras quando ela abriu seus olhos de coruja e perguntou oooo queeeeee voooocêêêÊêÊÊÊê queeeeeéééérrrrr? Como de pronto respondi, sem muito pensar no absurdo da situação, não restou tempo para que me apavorasse. Tanto que, no exatíssimo primeiro fentossegundo subsequente à minha resposta, franzi o cenho e estendi a mão direita num desarrazoado gesto pedinte. Em resposta, o que recebi foi apenas uma galhossobrancelha arqueada, um muxoxo de desdém e, em seguida, uma travessura bem cascagrossa: tive meus membros amarrados por cipós espinhentos que me apertaram com toda força, fazendo com que meu sangue escorresse lépido até tocar o chão. E quando tocou o chão… Thrrraaawwnnnnn! Brotaram homenzinhoscravo, bem verdinhos e bem traquinas. Pequeninos, não podiam me alcançar. Ainda… Enquanto miniminiminitagarelavam, batendo uns nos outros e pulando e dançando e miniminiminicantarolando, a árvore de olhos corujentos foi baixando seus cipós até que eu fosse mantido numa altura de fácil acesso para os coisinhas. De olhos fechados eu estava quando começaram a fazer cócegas em mim e veja bem a minha surpresa: quanto mais eu ria, mais eles ficavam furiosos! De onde concluí que cócegas são um instrumento de tortura para aquele povozinho peculiar. Ao cabo de algum tempo, finalmente se cansaram. Ahaha ahaha haha haha haaa… Eu também. Mas confesso que estava achando agradável, levando-se em conta a situação. Até porque, logo em seguida – assim pensava eu com meus botões – algo de terrível aconteceria: uma felicidadezinha frívola sempre precede uma malevolência. E não é que meu palpite estava corretíssimo? Minhas lágrimas de riso nem bem acabavam de rolar e aquele bando de treze homenzinhoscravo já avançava de forma ameaçadora. Quando o primeiro pulou em cima de mim, por um instante pensei tratar-se de nova investida de cócegas; talvez um pouco mais frenética, apenas. Nananinanão… Ao sentir aquelas mãofolhinhas torcerem meus braços e pernas, tive certeza de que não estavam a fim de brincar. Num piscar de olhos fui totalmente retorcido. Era como se quisessem extrair minha essência! Como se fosse possível espremer meu corpo até que minha alma começasse a gotejar. E fizeram isso por um longo período. Mas nada gotejou. Nem mesmo meu sangue, que já havia escorrido completamente em função dos espinhos daqueles cipós. Então, quando já estavam cansados daquela tentativa malfadada de retirar algo valioso de mim, fui solto. E já era tarde demais. Por não haver sangue irrigando minhas veias? Não. Por eu me assemelhar a uma toalha torcida? Nada disso. Não pude me levantar, gritar, correr, tentar fugir ou mesmo lutar. Estava tudo acabado. Era tarde e o motivo, simples: não havia essência.