Parado no escuro. De pé num beco escuro. Mirando o nada enquanto suas memórias consomem sua carne. Incapaz de um passo a mais. Um passo sequer. Impedido pelo peso de seu desespero. Eu a perdi? É possível perder o que nunca se teve? Se outras palavras tivessem sido ditas… A falta que sente aperta seu estômago, ao mesmo tempo em que fecha sua garganta. Essa noite tudo vai ficar bem. E nós não nos separaremos. Infinito enquanto durar. Mais três gestos e saberei que você não me ama. Corte meus pulsos e me cegue, porque agora minha vida pertence a você. Porque eu estarei chorando em minha cama até que cada gota de sangue não me lembre você. Eu gostaria de dizer que meu último suspiro se foi. Mas a dor suplanta o fim da vida. Se apenas você fosse solitário… Talvez fosse possível recomeçar. Se eu pudesse simplesmente dormir e sonhar com seu sorriso…
E o corpo começa a se tornar insustentável. Seus joelhos se dobrarão frente sua desesperança. Por favor, me enforque. Estrangule os planos que fizemos enquanto navego nessa névoa do que ainda não acredito. Deixe-me caminhar sozinho nos campos floridos, pois agora o que resta são espinhos. É tudo de que preciso. Apagar a dor com outra dor. Uma sucessão de mágoas alimenta meu medo. A sensação de queda eterna. Será que é possível abrir as portas do inferno? Vomitarei o veneno que consumiu meu coração antes que seja tarde. Antes que o amor se transforme em matéria escura. Antes que meus sentimentos virem pedra – estátuas ornando o Cemitério de Emoções. Esqueça seu coração… Minha doce garota… Abraçarei para sempre a lembrança de seu olhar. Mesmo que isso me faça sofrer. Mesmo sabendo que nunca deveria ter me apaixonado.
Vejo agora suas mãos entrelaçadas. Descubro que não passou de conveniência momentânea. Um modo de satisfazer suas vontades. Seu medo de estar sozinha aliado a sua necessidade de ser amada. Até que encontrasse alguém que iluminasse sua frágil imagem. Alguém que cobrisse sua falta de caráter. Que tirasse sua máscara. Que me fizesse perceber o quão errado eu estava. Alguém que me salvasse. Porque só assim podemos ser salvos. Através de assassínios. A morte ensinada por Krishna. Flechas foram atiradas quando o Cupido se corrompeu. Agora não passa de um jogador inveterado. Adora despedaçar corações. E brincar de sussurros maldosos. É isso que você queria? É disso que você precisa? Porque eu já joguei a toalha. Eu já estou quebrado e meus cacos foram pisoteados enquanto você desfilava vestida de insensibilidade. Uma faca. Se tenho direito a um último pedido, tudo que quero é uma faca. Isso durará a noite toda. E sei que as manchas não desaparecerão. Só preciso de uma faca. Cortarei meu coração e colocarei no altar das desilusões. Só assim estarei livre para desaparecer. Uma última oferenda a um deus qualquer. Qualquer um que possa arrancar essa sensação maldita. Enquanto a dor se transforma em tristeza. Enquanto a tristeza vira solidão. Enquanto a solidão se transfigura em ódio. Enquanto o ódio dá lugar à falta de sentimento. E então você percebe que nunca mais amará – quando, no fundo, você nunca conheceu o amor.
Viajo há muito tempo percorrendo vários sistemas bem diferentes. A gravidade do planeta Química exerce forte atração sobre mim, mas o astro chamado Literatura é aquele no qual me sinto mais confortável. Nos entremeios e desencontros do caminho, músicas e histórias me ajudam a não perder o rumo.