Chamam-nas de Fúrias. E cabe aqui uma explicação bem grega a respeito. Elas varrem os erros de Lugar Nenhum. Três para Ésquilo – diria que ele tem conhecimento de causa. Em Luxus são como Moiras-Erínias, já que a punição é a não existência de necessidade punitiva, pois que prevêem o que se dará. De mais a mais, Luxus possui uma estrutura social muito diversa… Não diria que há vida lá, posto que todos dormem em suas nutribolhas casulares. E mais não digo. Saber demais também é passível de castigo! E que se lembre bem do conto-de-fúrias que lhes vou contar…
Nix na noite estuprada
Nua e gemendo seus gritos
À míngua deixada sangrando
Oferenda do asceta da cabra
Sofria o açoite dos ritos
Fecunda pagã condenada
Podre ventre de vingança
Pariu sob a lua seu ódio
Trimegista trindade maldita
A sanha três vezes criança
Natimortas porém acordadas
No escuro a mãe as deixou
A queimarem na ira e no ódio
Na febre abissal da maldade
Quando Atena então as salvou
E em troca exigiu lealdade
Cresceram à luz da justiça
Com sangue sempre feroz
Megaira, Tisífone e Alecto
Tormenta eterna e atroz
A punir qualquer homem não reto
Dizem que elas andam meio preguiçosas ultimamente. Há muito não se ouve falar sobre. Os antigos contam histórias de tempos em que nada passava impune aos olhos das três irmãs. Mas pouco se sabe sobre como são seus castigos… Na verdade, as únicas “evidências” são os vários desaparecimentos ocorridos durante a famosa Época de Aço. Subversões, subversões… Famílias sem entender. Mídia dissimuladora. Se alguém escapou certamente ficou louco. Daí acreditarem se tratar de mitos. Mas desde então não há mais notícias – excluindo-se os sensacionalismos, é claro.
Sinceramente não sei em que acreditar. Às vezes tudo é crendice tola. Mas tem aqueles dias em que a gente precisa de uma mentira que nos faça sentir medo. Exatamente. Medo. Só assim renovo minha coragem. Sentindo um medo imaginário… Acho que isso é culpa de nossos pais. E culpa nossa quando o assunto são nossos filhos. Culpa? Se não fossem essas bobagens acho que inexistiriam alguns limites. Será que sou muito conservador? Que seja! Isso não quer dizer que eu cultue as irmãs-ira, longe disso. Mas elas são justas. E isso é algo raro atualmente. E, pensando bem, isso me leva a pensar que os desaparecimentos durante a Época de Aço foram atribuídos injustamente a elas. Não! Faz ainda mais sentido pensar que elas desapareceram nesse período! Se desde então nunca mais foram vistas… Mas é confuso. Quem as viu antes disso é louco, não é? Ouvi falar de um tal de Marvin Pitts… Não sei o que pensar. Talvez fosse interessante procurá-lo… Eu é que estou enlouquecendo! É verdade que o mundo definha a passos de gigante, mas será que elas são mesmo necessárias? Digo, será que só elas podem colocar ordem nesse caos? Uma justiça violenta pode ser a única forma de nos salvar, não acha? Mas há os defensores dos direitos de cada ser humano, que certamente desejarão proteger os injustos da cólera. Pois bem! Que também eles sejam açoitados! E se a violência realmente gerar violência? Bem… Não nesse caso, diria eu. Ela vai evocar culpa, remorso, vergonha, talvez arrependimento, mas não violência. Elas não deixam essa brecha. Será mesmo? Onde ouvi isso, afinal de contas? São tantas estórias… Ou estórias já estão extintas? Não importa. Apenas ouço e transmito a minha própria versão. Aquela que faz mais sentido para mim. É exatamente como enxergo as religiões. Prefiro absorver tudo que acho bom. De todas. E me livro de tudo que vejo de ruim. Em todas. Assim sou seguidor do meu próprio culto. E não há mais seguidores. Cada um deveria ter seu próprio rito. Seria errado acreditar em Fúrias e em Jesus, concomitantemente? Se for errado, mesmo que eu acredite em sua existência (em cativeiro, pelo que concluo), espero muito que as irmãs sanhosas sejam apenas invencionices…
Viajo há muito tempo percorrendo vários sistemas bem diferentes. A gravidade do planeta Química exerce forte atração sobre mim, mas o astro chamado Literatura é aquele no qual me sinto mais confortável. Nos entremeios e desencontros do caminho, músicas e histórias me ajudam a não perder o rumo.