Ei, Rô. Como estão as coisas por aí?
Tem só dois dias que te deixei no aeroporto, eu sei, mas é muito estranho dormir na nossa cama sem você. Falta seu grunhido ao acordar. O cheiro do seu café invadindo o quarto pela manhã. Sua roupa pendurada na cadeira. São esses detalhes que estão me matando aos pouquinhos. E saber que você não vai voltar para preencher essas ausências é ainda pior.
Sei que combinamos de não mandar mensagem nessas primeiras semanas. Sei também que você é quem faria o primeiro contato, quando estivesse pronto para isso. Mas não deu, ok? Estou quebrando as regras, mas, em minha defesa, não combinamos nada sobre enviar cartas. Não sei quanto tempo ela vai demorar para chegar aí em Portugal, mas eu precisava falar com alguém e você ainda é meu melhor amigo. Os últimos dois dias foram pesados para aguentar sozinha.
Não sei se você pensou nisso, mas esse foi o primeiro Réveillon que passamos separados desde 2012. A gente tinha se conhecido há uns seis meses e fomos para a praia com seus amigos. Foi o fim de ano da ostra estragada, lembra? Desde então, nunca mais passamos uma virada afastados. Mas quando deu meia noite e não recebi seu abraço e seu beijo, senti como se estivesse faltando uma parte de mim. Ainda mais este ano. Ainda mais com tudo que teremos que enfrentar.
Você também deve ter sentido a minha falta, mas nunca terá coragem de admitir. Te conheço bem. Você vai tentar se mostrar forte, provar que foi uma decisão lúcida e acertada. Na sua cabeça, essa viagem é algo definitivo. Mas uma parte de mim ainda acredita que você vai voltar. Que vamos ficar juntos de novo. Isso está tão claro que não sei porque ainda estamos simulando esse teatro de separação.
Já conversamos zilhões de vezes, mas você sabe que sair do país para escapar de um governo que nem começou não é solução. Há outras formas de lutar. Não concordar com uma ideologia não é motivo suficiente para largar tudo para trás. Para largar nós dois para trás. Nosso futuro. Tudo o que construímos juntos. Beira a covardia isso que você fez.
Assistir à posse sem você do meu lado foi difícil. Mais difícil do que imaginei que seria. Sim, tinha falado que me recusaria a ver aquele sujeito com a faixa de presidente. Mas quando chegou a hora, lá estava eu com a televisão ligada. Chorei como no dia em que saiu o resultado do segundo turno. Minhas lágrimas foram as últimas gotas de esperança indo embora e você não estava comigo para me ajudar a segurá-las.
Não sei se você assistiu à transmissão, mas ele não falou nada diferente do que já tinha dito na campanha. Mas ouvir aquelas barbaridades no discurso oficial foi forte demais para mim. Ele estava na tela e seu ombro não estava ao meu lado para me apoiar. O eco dos meus soluços estavam por todo o apartamento. Me ver sozinha em um momento como esse doeu mais do que a faixa verde e amarela atravessada no peito daquele homem.
Sei que temos formas diferentes de encarar essa situação e já conversamos bastante sobre elas. Essa é uma coisa que não sinto falta, inclusive, das nossas brigas. Mas você escolheu partir, eu escolhi ficar. É hora de encarar isso. Não quis terminar, você quis. Se você quer, porém, vamos dar um tempo. Ver como as coisas se acertam para você e para mim.
Sei que quebrei as regras de não entrar em contato, então peço desculpas. Mas nossa última conversa ainda está doendo. Cedo ou tarde ela vai começar a doer em você também, sei disso. Então eu precisava de falar essas coisas. Me desculpe de novo.
Se quiser me falar alguma coisa, já sabe para onde escrever. Pode se sentir livre para responder ou não esta carta. Inclusive acho melhor manter nossa comunicação assim, por enquanto. Vamos deixar no nosso próprio ritmo, sem cobranças. Vai ficar mais fácil para os dois.
Mas saiba que ainda te amo. Muito.
Da sua, Amanda.
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.