Jogador nº 1

Ernest Cline
Publicado em 2011
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Sou fã assumido de videogames, daqueles viciados que podem passar um dia inteiro jogando e se esquecer até de comer. Entre brincadeiras de rua e amigos, meu companheiro inseparável nos anos 90 foi o Super Nintendo. Donkey Kong, Mario, Metroid, Zelda, Bomberman, Top Gear, Aladdin. Todos eles fazem parte da minha memória afetiva desse período.

Com o passar dos anos e já me aproximando de quando precisava escolher qual curso faria na faculdade, me descobri um consumidor voraz de cultura pop. Filmes, seriados, livros, quadrinhos, música. Hoje não consigo ficar sem esse tipo de informação. Elas já são parte de quem sou.

Falei tudo isso para explicar o tamanho da minha admiração por uma obra como o Jogador nº1, escrita por Ernest Cline. Nerd assumido, ele recheou o livro de referência a games, filmes, músicas e seriados dos anos 80. A obra é ideal para aquelas pessoas que viveram nessa época e para quem se interessa por cultura pop em geral. Mas, antes de falar dos detalhes, vamos falar da história em si.

Em um futuro não tão distante, a Terra enfrentou uma Crise de Energia Global. Os humanos consumiram praticamente todo o combustível fóssil, o aquecimento global virou uma realidade palpável, animais e plantas começaram a morrer e as pessoas ficaram miseráveis. As guerras eram comuns, sempre em busca dos poucos recursos naturais que restaram.

No ano de 2044, o órfão Wade Watts tinha 18 anos e morava com a tia em uma pilha de trailers, uma forma que a população mais pobre encontrou de se acomodar mais próxima das cidades. Sem dinheiro e esperança, passava os dias conectado ao OASIS, um jogo criado em 2012 que revolucionou a indústria dos games.

Para fazer uma comparação com algo que conhecemos, o OASIS é uma espécie de Second Life (lembram dele?) que deu certo. As pessoas usam um óculos e uma luva especial e conseguem adentrar naquele universo. Criado por James Halliday, o OASIS é um MMO (Massive Multiplayer Online Game) que ultrapassou a barreira de um simples jogo e se transformou em uma forma de vida. As pessoas podem estudar, trabalhar, realizar negócios e viver dentro do jogo. Aos poucos, a população percebeu que ficar dentro dele era melhor do que ficar no mundo real. Com isso, o jogo se transformou em um fenômeno mundial.

Quando Halliday morreu, deixou um vídeo-testamento falando que havia escondido vários easter eggs (traduzido no livro para Ovos de Páscoa) no jogo e quem encontrasse as três chaves e os três portais seria seu grande herdeiro. Para dificultar mais ainda, todos esses easter eggs estavam relacionados, de alguma forma, com a cultura dos anos 80, a década que ele mais gostava. Desde então, muita gente se dedicou a caçar esses ovos, mas cinco anos se passaram sem que ninguém descobrisse nem a primeira chave. Até que Wade, ou melhor, Parzival (o nome de seu avatar) conseguiu.

Em uma partida de Joust. Conhece?

Eu me demorei um pouco mais na história do livro porque é necessário, já que esses futuros distópicos sempre trazem detalhes interessantes. A começar pelo motivo do mundo ter entrado em colapso, que é algo bem possível de acontecer. A realidade apresentada faz uma crítica a como nós tratamos a natureza e como encaramos a tecnologia, fazendo um alerta para o que podemos nos tornar em um futuro não tão distante.

Além disso, o OASIS é tudo que os gamers já sonharam em relação a um jogo. É a imersão total em uma realidade na qual se pode interagir realmente com objetos e pessoas. Basta colocar os óculos e a luva especiais, um computador com conexão à internet e pronto, você está dentro do OASIS. Assim como a Matrix e Mundo Real são os grandes protagonistas do filme Matrix, o OASIS é o grande protagonista de Jogador nº 1.

Tudo ali se assemelha aos MMOs a que estamos acostumados. Para ser alguém reconhecido e forte, é necessário subir de level. Para isso é preciso fazer alianças e inimizades, criar laços que, mesmo frágeis, te sustentam ali dentro. Isso sem falar nas inúmeras referências a RPGs e na forma tradicional do jogo.

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Já a Caçada ao Ovo (que é o grande tema do livro) é outro espetáculo à parte. Não tanto pelas cenas de ação, pelos diálogos ou pelas sacadas inteligentes, mas sim pelas referências utilizadas. Imerso na cultura pop dos anos 80, o livro te leva de volta para aquele tempo. Se você pretende aproveitar melhor a leitura, saiba que vai precisar de tempo. Referências e mais referências são despejadas em nossa cabeça a todo instante. Se você tiver tempo para parar e pesquisar cada uma delas, a leitura se torna algo bem maior do que já é.

Mas tudo isso ficaria maçante se o autor não conseguisse passar a sensação de estarmos realmente dentro de um jogo. A boa notícia é que Ernest Cline consegue. Ele, que já assinou um roteiro para o cinema, escreve Jogador nº1 como um grande filme. Uma sensação que fica quando se lê é que as cenas são altamente visuais, como se pensadas para a telona. Além disso, o ritmo aumenta a medida que Wade e os amigos “passam de fase”, ou seja, conseguem as novas chaves. No final, é visível o clima de urgência em todos os personagens.

Isso tudo só é possível graças à falta de descrições muito detalhadas. Mesmo que isso pareça problemático em uma análise rápida, não é realmente algo ruim. Como o livro faz referências a coisas que existem, é desnecessário ficar descrevendo-as. Você não precisa detalhar como funciona o Pacman porque teoricamente todo mundo já conhece ou tem condições de pesquisar sobre.

E mesmo que o final do livro soe clichê, tenha uma pitada de romance e uma clara lição de moral embutida, a história toda compensa. Só fico com minhas dúvidas se pessoas que não curtem games e cultura pop (ou pessoas que não viveram diretamente nos anos 80) vão gostar tanto do livro, mas acredito que ele consiga superar essas barreiras.

E pode querer o OASIS pra esse ano ainda?

Jogador nº1 (do original Ready Player One)
Ernest Cline
Editora LeYa, 2012 (no original, 2011)
462 páginas
Tradução: Carolina Caíres Coelho

P.S.: Tem uma coisa que me incomodou e incomodou muita gente que leu o livro: a tradução. Não que ela esteja ruim, mas a tradutora parece não conhecer direito o meio que o livro se insere, pois muitos termos foram traduzidos de forma equivocada. Isso, em um livro que tem um público bem específico, é um problema considerável. Mas dou parabéns pra diagramação e fontes utilizadas, que ficaram bem bacanas.