Uma simples frase mudou o rumo de tudo. Em poucos segundos a calmaria desmoronou, causando uma avalanche terrível de raiva. A pele foi adquirindo uma coloração rubra gradual até ficar num tom escarlate muito intenso. Uma coceira infernal teve início ao mesmo tempo em que o suor começava a se fazer visível. As mãos, trêmulas, fechavam-se com força, cerrando os punhos. Os lábios formigavam, movimentando-se quase que por conta própria ao contribuírem com os balbucios inaudíveis que eram proferidos. Os dentes formavam uma muralha intransponível, fechados como estavam. Era tanta a pressão que chegavam a ranger, numa espécie de bruxismo desperto. A perna esquerda sobedescia incansáveis vezes, num ritmo freneticamente insano. Os olhos, comprimidos, transmitiam a freqüência vibracional de sua alma; uma espécie de névoa sinistramente acinzentada. Seus ouvidos não captavam o menor ruído sequer. Na verdade, os mesmos pareciam expelir a essência benévola que até então habitava o corpo. Enquanto isso, as narinas inspiravam o peso do ambiente, levando fúria aos pulmões. O sangue queimava as veias, circulando ao sabor da ira. O corpo todo era uma máquina feroz, pronta para devastar o que estivesse em seu caminho. A perfeita engrenagem do ódio, prestes a ser ativada. A um passo da explosão, poderia ter seu nome mudado para chaleira, de forma muito apropriada. Em total sintonia, sua estrutura entoava a Sinfonia da Fúria número 9. A tensão atingia um nível estratosférico e a menor perturbação no sistema seria mais do que suficiente para fazer com que a bomba detonasse. Por alguns instantes, ficou fora de órbita, tamanha era a influência da ira. O mundo foi obliterado e nada mais fez sentido a não ser seu ego febril. Sua alma em chamas. Seu espírito encolerizado. A vida ganhou um tom vermelho grave, contrastante com o azul de seus olhos. O céu desabaria no mar revolto a qualquer instante. As ondas engoliriam a Terra e tudo seria consumido. Faltava pouco. Talvez já fosse tarde. E tudo se tornaria pó. Mas uma simples frase mudou o rumo de tudo.
Viajo há muito tempo percorrendo vários sistemas bem diferentes. A gravidade do planeta Química exerce forte atração sobre mim, mas o astro chamado Literatura é aquele no qual me sinto mais confortável. Nos entremeios e desencontros do caminho, músicas e histórias me ajudam a não perder o rumo.