Milho. Por que insistem em nos dar essa coisa pra comer? É uma bolota amarela, dura, sem sal e com gosto estranho. Por mim devia era ser extinta, nunca comi nada pior. Até emagreci por causa dela.
Não que isso seja uma reclamação, foi um efeito colateral do bem. Mas, sei lá, talvez eu tenha ficado anoréxico. Olho pro espelho e só vejo um pneuzinho sobressalente. A barriga formada por um único gominho. Embora as galinhas digam que estou em forma, o sonho do tanquinho próprio continua distante. E olha que tô até malhando.
Lógico que o sofrimento na academia tem suas vantagens. A principal delas é ver aquela franguinha gostosa do poleiro de cima fazendo abdominais, malhando as coxas, as asas, aquela bundinha… Nossa, ela me deixa louco! É só colocar aquela calça coladinha que minhas penas ficam todas eriçadas.
Elas só não podem eriçar demais porque é perigoso começarem a cair. É a idade chegando. Tô quase virando um galo e a calvície resolveu aparecer mais cedo pra me atormentar. Se for pra ficar horroroso igual àqueles frangos de pescoço pelado, prefiro a panela.
Céus, eles são muito feios. Não sei como conseguem povoar as fantasias sexuais das galinhas aqui da granja. Se eu fosse granjeiro, daria preferência pra comer só eles. Deve ser mais fácil de depenar. Aposto que eles só conquistam todas por causa do excesso de testosterona. Aliás, frango tem testosterona? Dá pra injetar e ficar mais másculo? Imagine só a seguinte cena: um frangão bombado, com a tão sonhada barriga de tanque e aquele monte de galinhas ao redor. Meu sonho ser esse frango.
Enquanto isso não acontece, continuo aqui. Virgem. Já tive várias oportunidades de perder o cabaço, eu juro. Só que franguei em todas. Logo eu, criado para ser o frango garanhão reprodutor da granja. Na verdade acho que esse é um termo para cavalos, mas deixa para lá.
Um das vezes foi quando eu tava empoleirado no pé de goiaba e uma galinha passou se insinuando. Levantou as penas da perna e mostrou aquela calcinha vermelha de renda, que servia apenas para dar uma cor ao material, de tão transparente que era. Saí pela tangente na primeira bobeada dela. Aquela safada não me merecia.
Tudo bem, franguei mesmo. A culpa não é dela, é minha. Não aguentei toda aquela pressão. Ela era material demais pra minha obra e fugir é melhor que broxar. É ou não é? Fere menos o moral, eu acho.
Inclusive aposto que esse meu comportamento estranho é por causa do calor. Dizem que é por causa do aquecimento global. Aliás, não se fala em outra coisa no momento. Já tá ficando chato: “As calotas polares estão derretendo”, “O mar vai invadir ilhas no Pacífico”. E daí? Foda-se as ilhas do Pacífico, quero apenar um refresco nesse inferno.
O pior de tudo foram as medida que o granjeiro tomou para diminuir a emissão de dióxido de carbono na atmosfera. Olha, falei até bonito! É o efeito “Informações inúteis em excesso”, me faz proferir umas palavras estranhas. Enfim, o mais revoltante é que ele proibiu o banho quente. Imaginem só, proibir o banho quente só porque ele era aquecido pela queima do carvão? Assim não dá. Vou ter que ligar para o IBAMA.
É, até que acionar o IBAMA não é uma má ideia. Será que os caras me levam para um lugar melhor? Um lugar onde existam galinhas sensuais selvagens e onde haja sombra para eu ficar deitado o dia inteiro? É o meu sonho! Passar o dia inteiro deitado.
Até porque aqui na granja não posso fazer isso. Ser o “garanhão reprodutor” tem lá os seus defeitos. Tudo bem que sou o único frango em idade reprodutiva da granja, mas também preciso passar por um treinamento rígido e forçado. E quando digo forçado, é forçado mesmo. Uma vez tive que cantar uma galinha gorda, cheia de celulite. Ela pensa até hoje que gosto dela.
Celulite não dá. Sei que todas as galinhas têm, mas não custa nada fazer uma massagem linfática ou algo do gênero para diminuir um pouco. Claro que ia ser melhor se elas não tivessem. Como é impossível, me contento com as que têm pouco.
Se bem que, na situação atual, não estou apto a escolher. A primeira que passar vou ter que… que… é melhor não falar nada. Aí vem a gorda com celulite.
Ufa! Ainda bem que ela passou direto. Não estava nem um pouco a fim de falar com ela. Tomara que ela vire uma torta. Brincadeira! Espero mesmo é que se vire frango com quiabo, ou melhor, galinha com quiabo. Com aquele tanto de banha e celulite, o quiabo vai ficar mais babento do que o normal.
Como não sou eu que vou comer, então foda-se. É problema do granjeiro, não meu. Até porque dizem as más línguas que quando algum ser vivo entra na cozinha da casa grande, sai de lá mais morto que… mais morto que… um frango decapitado.
Isso mesmo, como um frango decapitado! Pensando bem, quando cortam a cabeça de um frango, ele permanece vivo? Pelo menos essa é a lenda. Mas nunca nenhum frango sem cabeça voltou para contar como é a vida após a decapitação.
Pensando melhor, será que existe vida após a panela de barro? Vida de frango é tudo igual. A gente sai do ovo, vira pintinho, cresce, come, engorda, faz mais pintinhos e depois é comido. É uma emoção a cada dia. Você pode ser escolhido a qualquer hora e nem tem tempo para se despedir de sua família. É quase uma roleta-russa. O primeiro pescoço que parar diante da faca sente ela sendo enfiada.
Já vi isso acontecendo muitas vezes, inclusive. Só posso torcer pra que quando chegar a minha vez seja bem rápido e indolor. Receber uma facada deve doer muito. Deve ser melhor ser eletrocutado.
Pois é, que tragam a cadeira elétrica para cá. A primeira a ser queimada vai ser a gorda com celulite. Olha só, ela é muito cara de pau. Tá voltando, rebolando aquela camada adiposa que ela insiste em chamar de bunda.
Argh! Ela piscou para mim. Não vou nem dormir essa noite. Ela é um terror. Até esqueci o que estava falando. Onde eu estava mesmo? Ah, é claro… Milho. Por que insistem em nos dar essa coisa pra comer?
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Vou desativar meu antigo blog, o “Memórias de um Frango”. Para isso, vou resgatar as crônicas que estavam postadas por lá, dar uma repaginada e trazer para cá. Esta crônica tem um gostinho especial, já que foi a primeira que escrevi com o personagem Frango, que carrego até hoje e tenho um carinho enorme por ele. Escrevi durante meu ensino médio, como um desafio entre amigos. Nunca imaginei que ela fosse se tornar tão importante para mim.
Começou a escrever em 2008 para fugir de uma rotina massante no galinheiro e descobriu que era bom naquilo. Ou pelo menos achava que era, já que nunca conseguiu dar nenhum beijo na boca por seus textos. Dizem por aí que continua virgem, mas ele nega.