Minha vida se tornou um inferno desde o famigerado “sim”. Foram quatro anos de um namoro perfeito e tínhamos tudo para dar certo. Nos entendíamos como nenhum outro casal se entendia. Éramos o exemplo para os amigos. O orgulho dos pais. Sabíamos as vontades do outro só pelo olhar. Então nos casamos e estraguei tudo.

Foi uma série de escolhas erradas, uma atrás da outra. Um caso com a enfermeira do hospital, uma fodinha com a vizinha no estacionamento do prédio, um beijo inocente na moça da padaria. E esses foram só os que ela descobriu. Sou culpado, assumo. Ela fez um escândalo e ameaçou me expulsar de casa. Depois voltou atrás e decidiu me perdoar. Ficaria ao meu lado, me amava. Eu, inocente, acreditei.

Essa decisão transformou minha esposa no dragão do ciúmes. Disposta a me proteger como se eu fosse um tesouro, ela passou a hostilizar todas as mulheres ao meu redor. Depois transformou tudo em motivo de brigas, sempre pelos motivos mais esdrúxulos. E se antes ainda rolava aquele sexo de reconciliação, hoje é cada um em seu canto. Está difícil de suportar.

Inclusive ela passou até a praticar um novo esporte: a reclamação à distância. Poucas pessoas se equiparam a ela. É medalha de ouro na categoria “30 minutos ininterruptos”. Deve ser recordista mundial em “Jogar erros antigos na cara”. Se chego 10 minutos atrasado, reclama. Se esqueço de lavar a louça, reclama. Se saio com meus amigos, reclama. Reclama, reclama, reclama.

Ela só fica calma quando pisa na cozinha. Quando está preparando algum prato, é um doce de pessoa. É assim desde que nos conhecemos, aliás. É uma válvula de escape, coloca o avental e fica tranquila. Sabe fazer umas receitas incríveis e deliciosas. Sem falar que ela fica sexy demais em um avental. Quando começamos o namoro, ela costumava deixa a roupa de lado e usar só o avental. Hoje isso não acontece. Na atual Guerra Fria, se ela aparecer usando um escafandro, vou achar normal.

A propósito, sabe há quanto tempo estou sem sexo? Seis meses. Seis logos e intermináveis meses. No começo ainda insistia um pouco, mas as desculpas se tornaram esfarrapadas demais. Elas iam desde o tradicional “ai amor, eu tô com dor de cabeça” até “o padre me proibiu de fazer qualquer coisa com você essa noite, vou entrar em quarentena pelas almas carente do Tibet”.

Depois de um tempo desisti de encontrar sentido no Tibet e aceitei que ela não me deseja mais. Me contento apenas em comer os quitutes saídos da cozinha e continuar a minha vidinha miserável. Essa falta de sexo me transformou em um adolescente escroto de quinze anos e com hormônios transbordando. Qualquer rabo de saia já me deixa excitado o suficiente para virar o pescoço e acompanhar o movimento da bunda.

Logo eu, um típico rapaz latino-americano que deseja relações calientes e passionais. Ela sabe disso, faz para me torturar. E o pior é morar perto da praia, com possibilidades mil. Tem altas e baixas; brancas, morenas e mulatas; loiras, morenas e ruivas; magrinhas, gordinhas e gordonas; tímidas, fogosas e dançarinas de funk; católicas, protestantes e adeptas do sexo tântrico. Tem para todo mundo e embaladas em um mini biquíni. Todos ficam satisfeitos.

Menos eu, casado com a mulher errada. Até mesmo quem pregou chiclete na cruz e jogou pedrinhas merece um boquetinho de vez em quando. Jesus foi crucificado para livrar o povo do pecado e, porra, ela me perdoou. Cadê o tal amor cristão de que tanto falam?

Olho para a minha esposa deitada na cama e perco as esperanças. Meu pau vai morrer sem ela encostar nele de novo. E se um dia ela fizer isso, com certeza será só no sonho. Aliás, com ela tudo não passou de um sonho. Só me resta sentar e imaginar aquelas coxas maravilhosas em contato com a minha pela. Nossos corpos convertidos em um só por um momento de puro prazer, como costumava ser antes.

Mas preciso parar de me iludir, é mais fácil isso ocorrer com a faxineira do hospital do que com a minha esposa. Pensando bem, a faxineira não é de se jogar fora. Desprezando aquela cara de cachorro pequinês, o jeito de pato de andar e aquela barriga meio saliente, até toparia ir para a sala de limpeza com ela. Bom, seria mais movimentado que minha cama.

Olha eu me iludindo de novo. Não vai acontecer com ela e com ninguém. Hoje, por exemplo, a infeliz da esposa foi para a cama às sete e meia da noite. Antes isso era sinal de uma noite inteira de sexo, hoje é um sonoro “não entre no quarto, quero ficar sozinha”. Por falar nisso, já são quase dez horas da noite e o quarto continua em silêncio. Será que ela morreu lá dentro?

Não, seria bom demais se isso acontecesse. Ficaria viúvo e metade, ou melhor, todos os meus problemas acabariam. Teria só o trabalho de colocar a defunta no caixão e partiria para a gandaia. Ia voltar aos meus tempos áureos, onde ficava com seis na mesma noite e ainda levava duas para cama.

Quando penso nisso, bate a dúvida de porque ainda estou casado com ela. Também não sei responder. É teimosia, acho. Nunca fui de dar o braço a torcer e apresentar minha rendição. Não vou fazer isso agora. O divórcio deve vir dela, não vou dar esse gostinho.

Uma possibilidade mais remota é que talvez, e eu disse talvez, ainda ame essa mulher e não consiga me desapegar dela. Acontece. A gente era um belo casal, ela me completava. Era aquilo que podíamos chamar de almas gêmeas. Deve ter restado algum sentimento.

Ou talvez eu ame a torta de frango que ela faz.


Vou desativar meu antigo blog, o “Memórias de um frango”. Para isso, vou resgatar as crônicas que estavam postadas lá, dar uma repaginada e trazer para cá. Essa crônica foi escrita em 2006 e publicada em 6 de fevereiro de 2008. O maior problema dela é que o personagem principal é escroto, trombando com o machismo em diversos pontos. Reescrevi mantendo o espírito inicial, mas suavizando alguns pontos e melhorando a escrita (que estava péssima). O personagem continua detestável, mas pelo menos agora tenho consciência disso e posso trabalhar o texto para deixar isso bem claro.