Um pobre rapaz ama perdidamente uma garota. Ele sabe disso. Ela não. Podia ser a trama de qualquer comédia romântica, mas é a minha história. Prazer, sou o Márcio. Aquele garoto sentado na frente da classe, estudioso e dono das melhores notas. O típico nerd. Apaixonado pela menina mais bonita. Ignorado por ela. Mais clichê impossível.

São três anos estudando juntos. Ela falou comigo duas vezes e guardo cada uma com carinho. Uma vez ela me pediu gentilmente a resposta do exercício 78 de matemática. Sussurrei um “42” em meio a um sorriso constrangido e uma bochecha vermelha. Na segunda, derrubei meu material sem querer e ela me ajudou a arrumar. Não houve toque das mãos, paixão instantânea ou música lenta. Apenas um “Obrigado” dito de forma atrapalhada e o mais doce “De nada” já ouvido pelos humanos.

A beleza dessa garota afeta meu sistema nervoso. Reajo ao mínimo contato e fico apreensivo. Dopamina, oxitocina e testosterona rodam meu corpo como se estivessem em uma montanha russa. Nunca senti tanta movimentação hormonal na vida. A serotonina cai quando ouço a voz dela. A memória me leva às mais belas cantigas de amor cantadas pelos trovadores.

É pura física. Os opostos se atraem, ou pelo menos tentam, se houver uma força de atração suficientemente forte para romper a inércia dos corpos. E quando nossos corpos saírem dessa inércia, não deixaremos nenhuma força externa interromper o movimento aleatório de nossas línguas.

É também pura química. Tudo não passa de compostos e ligações, de ácidos e bases agindo ao mesmo tempo para causar um turbilhão de emoções. Reações exotérmicas me deixam ansioso, nervoso, alucinado, alienado. É uma simples questão de balanceamento, com você de um lado e eu do outro, onde meu empenho será diretamente proporcional à vitória na conquista. Ou assim espero.

Não raciocino direito quando ela passa por mim. Não elaboro problemas. Não consigo sequer lembrar se a esquistossomose é causada por um platelminto ou por um nematelminto. Ela atrapalha meu rendimento. Eu acredito no nosso amor como Galileu acreditava no heliocentrismo. E como diria Gandhi: “Acreditar em algo e não o viver é desonesto”.

Resolvi tomar uma atitude drástica. Vou falar com ela. Está decidido.

Não, é impossível fazer isso.

Meus sistemas não estão preparados para funcionar sob tamanha pressão. O digestivo e o respiratório ficam fora de controle. O reprodutor, então, não carece de comentários mais específicos.

Mas vou até ela e declamar o meu soneto. De tudo ao meu amor serei atento. Não posso ser tão incompetente a ponto de não conseguir fazer isso. Já sei derivar e integrar, não é possível ser incapaz de conversar com a mulher amada. Tentarei, eu juro. Por todo esse amor reprimido no interior da minha pobre massa encefálica e que luta incessantemente para libertar-se das correntes que o mantém como escravo.

Não consigo.

Esse vai/não-vai transforma minha cabeça em um campo de guerra. De um lado está meu cobertorzinho azul, a segurança do não sofrimento por rejeição. Do outro tenho a estrada de tijolos amarelos, o lado escuro da lua. É o caminho do desconhecido, da perspectiva de encontrar o mágico no castelo de esmeraldas. Não sei se possuo ousadia suficiente para fazer meu pedido a ele.

O problema teima em não se resolver com derivadas, logaritmos, limites e até mesmo lógica. Nenhuma das alternativas me deu uma resposta concreta sobre como se deve proceder diante de tal situação.

Chega de enrolação, é hora de agir,
Levanto-me.
Caminho de cabeça baixa.
Caio.
Levanto e observo o que aconteceu.

Trombei sem querer com a minha amada e a fiz cair. Mal começamos nossa história juntos e a machuquei. Este é o pior roteiro de comédia romântica escrito, nunca ficarei com a mocinha no final. Mas já que a derrubei, não custa nada me prontificar para ajudá-la.

Ela deu um sorriso, disse que estava tudo bem. Para minha surpresa, ela permaneceu ao meu lado. Fomos conversando para a sala de aula e o assunto fluiu como ensaiara muitas vezes dentro da minha própria mente.

O problema é que até mesmo os melhores planos não são à prova de falhas. Distraí por um segundo e me precipitei. Falei sobre meus sentimentos, expus tudo que decidira guardar para sempre nas gavetas mais profundas da minha memória. Tinha certeza que aquele movimento seria o equivalente a invadir a Rússia no inverno.

Não foi. Contra todas as probabilidades, percebi que a força de atração entre os corpos era grande. Existia, porém, outra força. Oposta ao movimento, impedia que ela parasse em meus braços. Ela foi gentil comigo e mal pude acreditar quando ela disse que pensaria no caso.

Enquanto houvesse 1% de chance, acreditaria 100%. Passaram alguns dias e nada dela me responder. Não aguentei. Fui até ela para saber qual seria a resposta para o meu intrincado problema. Pela graça de Descartes que a resultante de tudo, representada no plano cartesiano, foi uma reta completamente positiva.

Ao primeiro toque, a adrenalina passou acelerada pelo meu corpo. Os olhos se fecharam e faltam-me palavras para descrever o que aconteceu depois. Não existem equações ou fórmulas precisas o suficiente para explicar o que aconteceu. Nem Sigmund Freud é capaz de explicar o que se passou comigo naquele momento. A ciência, com toda a sua magnitude, é incapaz de explicar a força de uma primeira vez.

Uma semana se passou e nunca mais me encontrei com meu ex-amor. Dizem que o pai dela recebeu uma promoção inesperada e foi transferido de cidade. Meu referencial desapareceu e fiquei temporariamente desnorteado. Mas a vida segue, aprendi isso. Nosso momento junto foi breve, eu sei, mas marcante o suficiente para entrar no livro de história da minha vida.

Aprendi que a qualquer momento um referencial pode ser tirado do seu mundo, mas você deve permanecer sempre estável. As suas experiências e boas recordações daqueles que se foram são mais importantes que a dor. E isso livro nenhum me ensinou.


Vou desativar meu antigo blog, o “Memórias de um frango”. Para isso, vou resgatar as crônicas que estavam postadas lá, dar uma repaginada e trazer para cá. Essa foi uma das primeiras crônicas que escrevi na vida. Fiz para um concurso literário do colégio e fiquei em terceiro lugar. Foi em 2006, sendo que publiquei no blog em 23 de março de 2008. É uma história bem simples, na real. Um trocadilho inocente com o ambiente da escola e o amor. Ela foi importante para me mostrar que eu conseguia escrever, que era possível. Estou nessa brincadeira até hoje por conta dela.