Vi a Márcia hoje, antes da aula começar. Ela tava muito bonita com a saia e com os cabelos soltos. Acho que deviam obrigar todas as meninas a sempre virem de saia. Elas ficam mais bonitas assim, com as pernas de fora. Deve ser mais fresquinho, igual quando a gente vem de bermuda. Pelo menos eu acho.
É uma pena que ela não é mais da minha sala, igual ano passado. Agora a gente só se encontra no recreio. Às vezes ela tá sem as amigas e dá pra conversar bastante. Mas na maioria das vezes as meninas estão por perto e fica mais difícil. Tem umas que fazem cara feia quando chego. Outras dão risadinhas e apontam. É estranho. Gosto mais quando a Márcia tá sozinha.
Tenho falado tanto dela que meus amigos começaram a me ignorar e mudam de assunto na hora. Até parece que nunca gostaram de uma menina antes. O Foguete ficou todo bobo quando conheceu a Júlia. Olhava o dia inteiro para uma foto dela, suspirando. Só sossegou quando ela disse que não queria nada com ele. O Felipinho, então, só parou de encher o saco por causa da Karina quando conseguiu beijá-la. Só eu que não posso falar da menina que amo?
Acho que essa história de gostar de alguém é muito complicado. Quando era mais novo, quase vomitava se alguém dissesse que eu estava namorando. “Meninas? Argh. Nunca na minha vida”. Hoje não consigo parar de pensar nelas. Durmo com a Márcia na cabeça. Acordo e ela ainda está lá. Acho que é isso que os adultos chamam de crescer.
Mas não me sinto bem com isso. Quando chego perto da Márcia parece que voltei a ter seis anos. Não consigo conversar direito, minha mão sua, começo a tremer. Em casa, ensaio cada frase que vou dizer para ela. Na hora não funciona. Não sei o que ela pensa de mim. Tenho medo dela não me querer.
Tudo que quero é deixar de ser esse menino bobo, tomar coragem e falar com ela o que sinto. Ter um pouco mais de confiança e confessar que quero ficar com ela. Tomara que ela queira ficar comigo também.
Para ler ouvindo: Garotos II – Lenine
Esta crônica faz parte do Music Experience
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.