Esqueça as florestas escuras, casas abandonadas, cenários esfumaçados, poderes paranormais, casamentos forçados, extraterrestres e espíritos. Nada disso é capaz de assustar tanto um frango quanto a visão de uma cozinha. Se quiser deixar mais aterrorizante, basta colocar um fogão à lenha, umas facas afiadas, panelas de barro e água fervendo no caldeirão. Pronto. O cenário do filme de terror ideal está montado.
Ser mandado pra panela é o grande medo de todos os frangos. É algo que não pode ser controlado e depende apenas da vontade do granjeiro. Ele pode chegar na cerca qualquer dia e apontar para você. Não vai demorar muito e os funcionários vão lá e te matam. A vida vai embora assim, sem cerimônias. Não há corpo para um funeral, restos para um enterro. Nada.
Alguns frangos acreditam em vida após o jantar. Outros rezam pela salvação da alma cozida. Eu prefiro só ficar longe da cozinha mesmo. Evito até usar as palavras “canja”, “molho” e “cozido”. Vai que o granjeiro escuta e pensa que estou querendo morrer. Longe de mim. Um frango lindo, jovem e esbelto como eu não pode virar ensopado do dia para a noite. Não desejo isso nem para a gorda com celulite.
Pensando bem, desejo sim. Resolveria dois problemas de uma vez só: a gorda para de me encher o saco e o granjeiro entope as veias de gordura. Como ele é sedentário ao extremo, vai acelerar a morte por enfarto. Minha aposta atual é que isso aconteça naturalmente em dois anos, mas se ele comer a gorda eu diminuo para um ano e meio. Isso sendo bastante otimista.
Calma, eu me distraí… sobre o que eu tava falando mesmo? Ah sim, sobre Mike, o frango sem cabeça. Não sei se vocês, crianças criadas em apartamento, sabem como um frango é morto. Na hipótese mais tranquila, o capataz do granjeiro puxa nosso pescoço e quebra ao meio. Uma morte instantânea. No pior dos casos, um corte é aberto na nossa garganta e o sangue escorre por horas. Sofrimento eterno.
O Mike é uma lenda entre nós. Nos últimos instantes antes da faca cortar nossa cabeça, tenho certeza que todos nossos pensamentos se voltam para ele. O sonho é ter um destino parecido com o que ele teve. Todo mundo quer ser o Mike na hora de morrer.
De acordo com as histórias, ele viveu entre os anos de 1945 e 1947 em uma fazenda no Colorado, Estados Unidos. Seu dono era Lloyd Olsen que, para agradar a sogra, queria cozinhar Mike no jantar. Na hora de decapitá-lo, Olsen fez merda e não conseguiu cortar o pescoço do frango direito, deixando o tronco cerebral inteiro. Isso fez com que o Mike ficasse vivo mais dezoito meses, mesmo sem cabeça.
Lógico que ele ficou famoso, fez apresentações em diversos lugares, teve fã clube, transou com várias galinhas, foi no Jô e participou d’A Fazenda quando sua fama começou a cair. Mas nada que manchasse a carreira brilhante desse frango sem cabeça, que nos deu a esperança da vida após a decapitação. Se antes a morte era certa, agora há uma chance, por mais remota que seja.
Se um dia eu for virar canja, espero ter o mesmo futuro dele. Ou voltar na forma de fantasma para assustar os outros frangos. Ou quem sabe como o primeiro frango-zumbi da história. Ainda estou decidindo o que será mais legal.
Começou a escrever em 2008 para fugir de uma rotina massante no galinheiro e descobriu que era bom naquilo. Ou pelo menos achava que era, já que nunca conseguiu dar nenhum beijo na boca por seus textos. Dizem por aí que continua virgem, mas ele nega.