O encontro marcado

Fernando Sabino
Publicado em 1967
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Uma das histórias mais interessantes da literatura belo-horizontina é a dos quatro cavaleiros do apocalipse: Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Hélio Pelegrino e Paulo Mendes Campos. Compartilhando um mesmo ambiente político, jornalístico e literário, os quatro acabaram criando laços de amizade que duraram por toda a vida. Analisar a obra de cada um é observar elementos em comum que os uniam e que montam o retrato da época em que viveram. Mas se há um ponto máximo desse retrato, sem dúvidas é O encontro marcado, primeiro romance escrito por Sabino. Antes de falar da obra em si, porém, vamos falar sobre o enredo do livro.

Escrito em 1956, O encontro marcado conta a vida de Eduardo Marciano, um jovem que busca desesperadamente um sentido para a vida. Em meio à vida boêmia de BH e do Rio de Janeiro, ele tenta encontrar o lugar de sua literatura, dos seus atos e do destino, que teima levá-lo para longe dos sonhos.

Eduardo Marciano tem muito do próprio Sabino. Tem também muito de Otto, Hélio, Paulo e todos os outros jovens da década de 40. Pessoas que viveram o período da Grande Guerra e do pós-guerra. Que já tinham as bases do Modernismo bem instaladas e foram além. Que tinham sonhos bem diferentes de seus pais e queriam levá-los a frente. Uma geração que queria ser ouvida.

Com seu livro, podemos dizer que Sabino foi a voz de uma geração. E eu vou além, ele é a voz de várias gerações. A forma de comunicar e agir da geração nascida na década de 1990, por exemplo, pode ser bem diferente da descrita em O encontro marcado, mas os questionamentos não mudam. A primeira vista eles até podem parecer diferentes, mas a essência é a mesma. Todo mundo quer encontrar o seu lugar. Todo mundo quer fazer a diferença. Quer se livrar daquilo que acha ruim nas gerações passadas e construir algo novo. Tudo isso para, no fim, apenas se descobrir e saber mais sobre si mesmo.

Não é a toa que, em alguns momentos, a obra caia muito para o lado da política, da literatura e da religião. São pontos da vida que ajudam a entender quem somos e as reflexões sobre isso chegam a ser intensas. E é por isso que a obra de Sabino é tão importante. Ela é visceralmente real, de uma forma que é possível se enxergar nas páginas, nos questionamentos. Quando a vida de Eduardo desmorona, você desmorona junto.

Dois momentos do livro são legais para analisar exatamente isso. No final do segundo capítulo, Eduardo, Hugo e Mauro estão sentados em uma mesa de bar e se desafiam a falar o que sinceramente pensam de cada um dos amigos e de si mesmo. É um momento deprimente e de auto-conhecimento, mas com consequências terríveis para o grupo. Outro ponto é o parágrafo que é a síntese de todo o livro:

“De tudo ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sonho uma ponte, da procura um encontro.”

Essa identificação com a história e com o personagem é garantida, também, graças à estrutura narrativa do livro. O narrador em terceira pessoa é muito próximo a Eduardo, nos convidando várias vezes a entrar nos pensamentos do protagonista. Além disso, as situações da vida de Eduardo passam muito rápido em nossa frente, em um fluxo contante de pensamento. Personagens vem e vão e as reflexões continuam, até o fim. Você pensa sobre a sua própria vida da primeira à última página.

Eu já havia tentando ler O encontro marcado quando era mais novo. Devia ter uns 14 ou 15 anos quando o achei na estante aqui de casa, mas abandonei nas primeiras páginas. Hoje entendo porque fiz isso. É uma história sobre crescer e os problemas que isso acarreta. Sobre sonhos e frustrações. Sobre a vida. Eu não estava pronto para entender isso ainda. Ainda não estou, para falar a verdade. E espero que daqui a uns 10 ou 15 anos, quando for reler esse livro, ainda não esteja e continue me questionando sobre tudo que Sabino escreveu.

Pequena reflexão sobre o viaduto Santa Tereza

Para quem não é de Belo Horizonte, cabe uma explicação antes. O viaduto Santa Tereza é uma das principais vias de ligação entre os bairros Santa Tereza e Floresta com o Centro da cidade. Os dois arcos que cercam o viaduto são importantes pontos turísticos da arquitetura da cidade.

Dito isso, há uma passagem no livro de Sabino em que Eduardo e os amigos sobem nos arcos do viaduto. Longe de ser apenas uma loucura, eles buscavam imitar outro grande escritor mineiro, que também subia nos arcos: Carlos Drummond de Andrade. Dizem que uma vez Drummond subiu no viaduto, só para se divertir, e acabou abordado por um guarda. Lá de cima ele respondeu algo como: “Se quiser me prender, venha me buscar”. O guarda não conseguiu subir no arco e deixou para lá.

Os quatro cavaleiros do apocalipse também já subiram no viaduto e isso é retratado em uma passagem de O Encontro Marcado: “No seu tempo, subia às três da tarde, depois de tomar apenas um copo de leite, pour épater les bourgeois. A nova geração procurava imitá-lo nos versos e nas proezas, mas precisavam beber para criar coragem”.

Meu sonho é subir os arcos do viaduto para descobrir se a fonte da boa escrita está lá em cima.

O encontro marcado
Fernando Sabino
Editora Record, 67ª edição, 1998
296 páginas
ISBN: 85-01-91200-X