Não era seu costume parar e admirar a paisagem pela janela. Aliás, nem gostava de ficar com as cortinas abertas. Achava uma invasão de privacidade sem tamanho, até porque morava em um conjunto de prédios e eles eram todos muito próximos. Sua janela, por exemplo, dava de frente para outro apartamento. Tinha vista privilegiada do andar abaixo. E o andar acima tinha uma vista privilegiada do seu. Era o preço a se pagar por um aluguel e um condomínio baratos.
Além da vista, outro problema do apartamento era o calor. Era quente nível inferno, de fazer suar até as pontas dos dedos. Em dias que o capeta resolvia fazer uma visita, sua regra de cortinas fechadas era esquecida. Ventilador ligado no máximo, o mínimo de roupas possível e o sofá estrategicamente colocado na única corrente de ar disponível. E foi em um desses dias escaldantes, enquanto aproveitava o ventinho que vinha da janela, que avistou o vizinho gostoso do apartamento de baixo pela primeira vez.
Nunca pensou que existisse o tal homem perfeito, mas naquele dia reviu todos os seus conceitos. Moreno, alto, bonito e sensual era pouco para descrevê-lo. Cabelos curtinhos, mas despenteados de um jeito que acabou de acordar. Barba por fazer, daquelas que roçam no corpo de uma maneira excitante. Olhos escuros, penetrantes, que te despem com uma só piscada. Barriga em gominhos, de fazer inveja a muito tanque de lavar roupa que se encontra por aí. Uma tatuagem que descia por todo o braço direito, com imagens que queria ver de perto para descobrir o que eram. E também devia estar sofrendo com o calor, pois nesse dia usava apenas uma cueca boxer branca.
Foi paixão à primeira olhada. Mentira, paixão não é a palavra certa. Foi tesão mesmo, desses que é impossível de controlar. Quis aquele corpo na mesma hora em que o viu. Queria vê-lo deitado em sua cama, queria usá-lo das maneiras mais sujas possíveis. Ficou imaginando maneiras de se aproximar do vizinho gato. Ficou fantasiando como seria o sexo com ele. Onde, como e quantas vezes fariam. Queria agora.
Como não era possível, passou a observá-lo. Transformou isso em sua diversão diária. Contava os minutos para chegar do trabalho e procurá-lo pela janela. Esperava pacientemente por cada aparição. Torcia para o dia estar mais quente e, consequentemente, ele estar com menos roupa. Aos poucos foi descobrindo a rotina daquele deus. Sabia o horário em que ele chegava em casa, quando tomava banho e quando costumava dormir. Sabia que ele trabalhava de terno (“e como ficava gostoso de terno…”), mas que a primeira coisa que fazia em casa era tirá-lo. Entre outras coisas, gostava muito de ficar sentado no sofá, assistindo televisão ou lendo um livro. Geralmente só de cuecas, em um ângulo muito favorável à vista pela janela.
O tempo passou e o “relacionamento” com o vizinho gostoso do apartamento de baixo já era uma realidade. Tinha quase certeza que ele sabia que era observado e que, no fundo, gostava. Certo dia, porém, ele não chegou no horário habitual. Horas depois, viu a luz se acender e ele entrar no apartamento acompanhado por uma mulher. Uma mulher não, um furacão. Foi tipo cena de filme. Os dois se beijavam alucinados e peças de roupas voavam por todos os lados. As mãos percorriam os corpos quase desnudos à procura de mais prazer. Esquecendo todo o pudor, ele encostou a mulher de costas para a janela e começou a beijar os peitos, o pescoço, a barriga. No auge do tesão, ela ajoelhou para tirar-lhe a calça e começar um boquete bem dado. Foi quando ele abriu os olhos e percebeu a movimentação no apartamento de cima. Com um sorriso no rosto, deu uma piscadinha, esticou o dedo médio e fechou a cortina.
Da janela, o sentimento de ser a pessoa mais pervertida do mundo não passava. Decidiu nunca mais abrir as cortinas, nem nos dias de calor e nem mesmo para observá-lo.
*O texto não faz referência ao gênero da pessoa que stalkeia pela janela. É de propósito. Para você faz diferença se a pessoa é um homem ou uma mulher? Para a história não.
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.