Não tem nem dois meses que assisti, pela primeira vez, à seleção brasileira de futebol em um estádio. Isso ocorreu no recém inaugurado Mineirão, em um amistoso contra a seleção chilena. Era jogo festivo, só para marcar a passagem da seleção por um dos estádios remodelados para as Copas que estão chegando. Nem como teste valia, já que só podiam ser convocados jogadores que atuavam nos próprios países. Tinha tudo para transcorrer em ritmo de festa, mas acabou em silêncio e vaias.
Quando vou para o estádio para ver o meu time do coração, sei exatamente quais músicas vou cantar. Sei quais melodias embalam a entrada, a escalação, o momento de pressão, quais usamos para motivar os jogadores, para extravasar a alegria, pressionar o adversário. Para a seleção isso não existe. Faltando poucas horas para o jogo, soltei uma pergunta no Twitter: “Que música a gente canta para a seleção? Não vale responder a ‘Eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor’ “. Ninguém conseguiu me dar uma boa resposta.
Eu estava na arquibancada superior, atrás do gol e perto de uma charanga. Acostumado com as charangas de Atlético e América, que fazem barulho o jogo inteiro, presenciei pela primeira vez o silêncio em um estádio de futebol. Em momentos esporádicos, a charanga puxava um “Eu sou brasileiro…” ou um “Ê, lê lê ô” mas ficava nisso. Na maior parte do tempo era silêncio, a ponto de conseguir ouvir as cadeiras batendo no encosto quando as pessoas levantavam para acompanhar um lance mais agudo de ataque.
Quando o jogo não estava em silêncio, eram as vaias que predominavam. Começou ainda no aquecimento, quando o clubismo falou mais alto que a torcida pela seleção. Os cruzeirenses vaiavam quando Ronaldinho e Réver pegavam na bola. Em contrapartida, os atleticanos vaiavam quando o recém contratado zagueiro Dedé encostava na pelota. Eu, incrédulo, não acreditava no que estava vendo. O jogo nem havia começado e o estádio estava vaiando aqueles para quem deveríamos torcer.
Claro que a elitização do futebol, com altos preços dos ingressos, e as novas arenas, povoadas de cadeiras, contribuem para essa apatia. Além disso, no jogo contra o Chile eram poucos que estavam ali pela seleção propriamente dita. A maioria queria ver como ficou o Mineirão, que faz parte da memória afetiva de muita gente. Mas não quero apontar esses como os problemas. Seria cair no lugar comum que todo mundo está discutindo. O caso aqui é mais sério: a gente não sabe torcer pela seleção.
E não é por falta de títulos. Fomos campeões do mundo em 2002, pouco mais de 10 anos e apenas duas copas atrás. Ganhamos todos os títulos na gestão de Dunga, exceto a Copa do Mundo. Um dos maiores problemas é a falta de identificação da torcida. Desde que acompanho futebol, nunca vi uma seleção tão sem identificação como a atual. E por atual, digo a dos últimos três anos (após o desastroso resultado da Copa de 2010) ou até mesmo antes.
O grande nome dessa seleção é um moleque de 21 anos, que joga muita bola, é verdade, mas é mal visto pelos torcedores. No jogo contra o Chile, por exemplo, todas as pessoas ao meu redor xingaram o Neymar em diversos momentos. Não foi a melhor partida dele, mas o maior mérito foi do jogador nº 4 do Chile (que não vou pesquisar o nome, desculpa), que fez uma excelente marcação individual e o impediu de jogar. É muita responsabilidade para um cara tão novo e ninguém confia que ele vá render o suficiente. Assim não há como confiar no time.
Além disso, essa apatia do torcedor pode ser explicada pela falta de jogos da seleção em território nacional. Em um levantamento feito pelo sempre excelente Futdados, isso ficou bem claro. Dos 71 amistosos feitos desde 2003, ou seja, desde o nosso último título mundial, 63 foram disputados fora do país. Dos oito jogos restantes, três foram em São Paulo e os outros em Goiânia, Recife, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Gama (!!!!). Para se ter ideia, a seleção fez mais amistosos em Dublin, na Irlanda, do que no Rio. Fez o mesmo tanto de jogos em Doha, no Qatar (um país em crise política, que vive em vias de perder o GP de Fórmula 1 por isso), e em São Paulo.
Para completar, a seleção não fez nenhum jogo em território nacional em 2006 e 2010, justamente os anos de Copa do Mundo (veja todas as cidades que receberam jogos e os respectivos anos no final do post). Como é possível ter simpatia por um time que joga em nossa cidade uma vez a cada 10 anos? O último jogo que a minha cidade havia sediado foi em 2004, nove anos atrás. Goiânia, uma cidade com tradição futebolística ínfima, recebeu mais jogos que Salvador, que possui pelo dois times com torcidas grandes e apaixonadas.
Isso faz com que o clubismo seja mais forte do que a torcida para a seleção. Pergunte para qualquer torcedor se ele trocaria os cinco títulos mundiais da seleção por uma Libertadores ou por um Mundial Interclubes. A maioria vai dizer que trocaria. Eu trocaria sem pensar duas vezes.
Estamos às vésperas de uma Copa das Confederações. A julgar pelos últimos amistosos, a torcida brasileira não vai torcer pela seleção. O fator “jogar em casa” vai pesar contra, pois é bem provável que aquilo que poderia ser um apoio irá se transformar em vaias. Se os resultados não vierem, vai ser pior ainda. E em vez de repetirmos o Maracanazo de 1950, vamos ser eliminados bem antes, o que pode gerar um desgaste irreversível com a já apática torcida.
*Não é por acaso que o jogo de reabertura do Mineirão foi um Cruzeiro x Atlético e não um jogo da seleção. O jogo dos times daqui é muito mais importante que um da seleção.
*Todas as cidades que receberam jogos da seleção: Manaus e Curitiba (2003), Belo Horizonte, São Paulo e Maceió (2004), Goiânia, São Paulo, Porto Alegre, Brasília e Belém (2005), Rio de Janeiro e São Paulo (2007), Rio de Janeiro, Rio de Janeiro e Gama (2008), Recife, Salvador e Campo Grande (2009), Goiânia, São Paulo e Belém (2011), São Paulo, Recife e Goiânia (2012), Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Porto Alegre (2013).
*As fotos são do brother Everaldo Vilela, que me autorizou a usar uma vez e agora vou abusar da boa vontade dele.
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.