Não, você realmente não me conhece. Eu, pelo contrário, te conheço muito bem. Tenho te observado ao longo dos últimos meses. Aliás, como cresceu o seu filhote de labrador. Daqui a pouco ele vai ser forte o suficiente para te puxar pelas ruas, ainda mais se você continuar a andar distraída com seus fones de ouvido brancos.
Sim, eu sei disso tudo, mas não sou um desses maníacos que perseguem moças inocentes. Sou só aquele cara que está sempre ali perto de você e nunca é visto. Quando você mudou para perto da minha casa, nunca fomos apresentados. Faço caminhada na mesma praça que você, no mesmo horário. Frequentamos os mesmos espaços públicos e nunca trocamos um único oi. Talvez por conta da minha timidez ou por conta de seus passos apressados. Não sei.
Não sei muitas outras coisas também. Não sei seu nome, sua idade, onde mora, o que lê ou os filmes que mais gosta. Não sei se tem namorado, se mora sozinha, se faz chapinha no banheiro de casa ou se prefere dormir de conchinha. Não sei nada sobre você. Mas já criei todo um cenário onde nossos mundos se juntam. Nele, vivo sonhando, vivo imaginando você. Você pode não sentir os meus passos, mas eu sinto todos os seus.
Às vezes me pego pensando que talvez não seja uma boa ideia a gente se encontrar. Que um simples olá poderia estragar todo esse faz de conta em que vivo. Já criei muita expectativa em cima de você e meu histórico é de decepções profundas. Mas depois que sinto o seu perfume passando por mim, desisto da ideia na hora.
Pode parecer tolice, eu sei, mas acho que estou apaixonado por você.
Para ler ouvindo: Tolices – Ira!
Esta crônica faz parte do Music Experience
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.