O Quinze
Rachel de Queiroz
Publicado em 1930
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Preciso começar esta crítica sendo sincero com vocês: não gosto da temática “seca nordestina”. Morro por dentro quando leio sobre alguém que precisa abandonar a própria terra por não ter o que comer e beber. Sofro a cada animal virando um saco de ossos. Ao ler um livro, gosto de fugir da realidade. Nesse caso, é impossível. A vida real ri da nossa cara. E enquanto não conseguimos controlar as chuvas ou ignoramos o aquecimento global, a tendência é só piorar.
Isso não quer dizer que O quinze é um livro ruim. Pelo contrário. Ele me incomoda por mexer em uma ferida aberta. Traz à tona o sofrimento humano de forma crua. A morte é só mais um elemento do cotidiano e, apesar de impactante, não é o maior dos problemas enfrentados. Antes de falar sobre isso, porém, vamos ao resumo da história.
O “Quinze” do título se refere à seca ocorrida no sertão nordestino em 1915. A história se passa nos arredores de Quixadá, mais especificamente em Logradouro, e se desenvolve em duas linhas narrativas que se interligam em determinado momento.
Em uma delas, Chico Bento e sua família se veem sem esperanças de sobrevivência no Ceará e se tornam retirantes em busca de um futuro melhor na Amazônia borracheira.
Na outra linha temos Conceição, uma jovem professora que mora na capital; a avó, Dona Inácia, que parte do povoado quando a seca aperta; e o primo Vicente, que insiste em permanecer nas terras mesmo durante o período de vacas magras, literalmente.
Na primeira linha narrativa, acompanhamos o sofrimento da família de Chico Bento, que atravessa um longo pedaço de terra a pé em busca de um futuro. Ele, a esposa, a cunhada e os cinco filhos partem de Logradouro e, durante o caminho até a capital, são assolados pela fome, doenças e abandonos. Desse núcleo vêm as cenas mais impactantes da obra, mostrando como a seca pode destruir as famílias em um curto período de tempo. As cenas do Chico Bento e da esposa mostram até onde um homem pode chegar para salvar a própria vida e a vida dos filhos. É trágico e te deixa pensativo por semanas.
Do outro lado, vemos como Vicente tentar enfrentar a seca para manter os animais vivos até a chegada da primeira chuva do verão. Ele e Conceição vivem um caso de amor platônico, impedido pela barreira intelectual e social entre os dois. Ela é um exemplo de quem saiu do campo e conseguiu melhorar um pouco a vida. Ele é o típico cara do campo, preso às raízes, gentil com os funcionários e muito humilde. Sua reação básica é priorizar o trabalho acima de todas as coisas. O abismo entre ele e Conceição é tão grande que, mesmo com eles se gostando, é difícil vislumbrar um romance saindo dali.
Aliás, é bom dar destaque para Conceição. Ela é uma mulher muito à frente de seu tempo, que não se importa apenas em arrumar um marido. Para ela, inclusive, isso nem faz tanta diferença. Os livros são seus companheiros, com leituras feministas e comunistas. Tem um bom coração, tenta ajudar os retirantes em seu tempo livre e doa sua pouca economia para isso. É justamente por isso que as duas linhas narrativas se cruzam. Mas não vou falar como isso ocorre e o que há depois, pois esse é o ponto alto e o clímax do livro.
E o estilo de escrita da Rachel de Queiroz contribui para entrarmos naquele mundo sofrido. As descrições são simples, mas vão direto ao ponto mais impactante, fazendo o leitor lamentar a situação junto com os personagens. São capítulos curtinhos, que fazem com que a narrativa seja fluida. Quando menos esperamos, o livro acaba em um final em aberto, que combina muito com o que foi mostrado até então.
O pior é saber que, no fim, um livro intitulado Dezesseis (ou Dezessete, Dezoito, Vinte e Um) também poderia ser escrito. E, infelizmente, tenho certeza que ele seria tão trágico e sofrido como esse.
O Quinze
Rachel de Queiroz
Editora Siciliano, 1993 (publicado em 1930)
149 páginas
P.S.: Desculpa Rachel de Queiroz, mas toda vez que lia “Chico Bento” vinha o personagem do Maurício de Sousa na minha cabeça. A risadinha era inevitável.
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.