Dedicado à garota desconhecida do ônibus de hoje
Entrei no ônibus e lá estava você, sentada na primeira cadeira após a roleta.
Nossos olhares se cruzaram. Sei que você, curiosa, só queria ver quem embarcava naquele ponto. Eu procurava as moedas no bolso quando notei seus olhos na minha direção. Se vale o elogio, eles são os olhos mais bonitos que vi nos últimos meses. Não posso dizer com exatidão de que cor eram. Isso não é importante. Eles eram lindos, só isso. Transmitiam uma confiança que poucas pessoas conseguem sustentar para um desconhecido logo no primeiro olhar.
Passei alguns segundos abobalhado. Me atrapalhei com as moedas, tive que refazer as contas várias vezes. Enquanto isso, seu olhar continuava lá. Forte. Irredutível. Entreguei o dinheiro para o trocador e passei mais alguns segundos parado na roleta tentando entender o que estava acontecendo. Foi quando nossos olhares se cruzaram de novo. Não aguentei e sorri. Não sei se te disseram isso hoje, mas você é linda e devia ser lembrada disso sempre.
Abaixei a cabeça, tímido, e andei até o meio do ônibus, poucas cadeiras atrás da sua. Você percebeu. Seu olhar me procurou e deu um sorriso ao me ver ali, ainda perto. Foi a terceira vez que nossos olhares se cruzaram em menos de um minuto.
Ficamos os dois naquela incômoda situação. Não sabia se eu devia me apresentar para você ou se fugia para o fundo do ônibus. Foi quando você se levantou e minha esperança deu um pulo no peito. Sua cabeça se virou para mim e eu, paralisado, não consegui reagir. Suas mãos apertaram a campainha e, com uma última cruzada de olhares, você desceu e saiu da minha vida. Te procurei, em vão, pela janela. Já era tarde.
Tudo isso não deve ter durado cinco minutos. Tenho certeza que foi bem menos, inclusive. Agora não faz mais diferença. Para mim, esse encontro durou a viagem inteira. Mesmo depois que você desceu, olhei para o seu lugar diversas vezes e não te encontrei. Ele permaneceu vazio o resto do caminho, como a me lembrar do espaço que você deixou.
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.