Em uma fazenda não muito distante, Dona Pata terminava de chocar sua primeira ninhada de filhotes. Ela estava radiante, pois há muito queria ter patinhos e só agora conseguiu tempo para isso. E fez tudo como manda o figurino. Escolheu o lugar mais aconchegante para fazer o ninho, pegou as melhores palhas e tricotou pequenos gorrinhos enquanto deixava os ovinhos aquecidos.
Quando eles começaram a dar sinais de que rachariam, a felicidade na fazenda foi geral. Os animais se reuniram ao redor de Dona Pata para acompanhar cada nascimento. A primeira rachadura foi seguida de gritinhos de excitação. Quando a primeira bolinha amarela de penas surgiu, uma salva de palmas tomou conta do lugar. Depois vieram os outros. Dois, três, quatro, cinco… Quando faltava apenas um ovo, que parecia maior e mais duro que os demais, os animais começaram a ficar mais empolgados.
Todos prenderam a respiração ao primeiro barulho de um bico batendo. Quando o patinho conseguiu se livrar da casca e saiu para o mundo, os animais ficaram sem fala. Era o filhote mais feio do mundo. Grande, cinza e desengonçado. Não tinha nada de parecido com os irmãos. Recuperados do susto, começaram os comentários maldosos.
– Que patinho horroroso! É a coisa mais feia que eu já vi na vida!
– Você devia afogá-lo antes que ele contamine a fazenda com a feiura!
– Aproveita que você ainda não se apegou a ele e manda ele embora!
– O importante é que tenha saúde, não é?
– Será que é filhote do Senhor Pato? Aposto que alguém andou se divertindo fora do casamento.
O patinho não entendeu o que todos diziam, mas compreendeu as caras de escárnio que faziam. Recuou até encontrar sua mãe e tentou se esconder debaixo das asas. Percebeu que até mesmo ela estava assustada com aquilo e olhava com assombro para ele. Até hoje o patinho conta que sua primeira lembrança é humilhação e tristeza. Uma tristeza penetrante e sofrida.
Não demorou para que ele começasse a ser deixado de lado. Nem mesmo os irmãos gostavam de ficar por perto e inventavam desculpas para não almoçarem juntos, para não nadarem no mesmo horário ou para expulsá-lo de perto da mãe. Ela, aliás, não fazia esforços para integrá-lo aos outros animais e deixava-o longe de suas vistas o dia inteiro.
Foi quando o patinho resolveu se isolar. À procura de uma iluminação, conheceu um livro que mudaria sua vida e que até então era pouco conhecido na fazenda. Este livro falava de um tal de Deus, que havia criado tudo que ele conhecia. Depois falava de Jesus e de suas pregações sobre o amor e o respeito com o próximo. E, aos poucos, o patinho passou a acreditar naquela história. Passou a crer que sua vida seria melhor se acreditasse, seguisse e espalhasse o que aquele livro dizia.
Mas mesmo mostrando tudo de bom que Ele podia fazer, os animais continuaram zombando do patinho. Foi quando ele se cansou de ouvir tantas provocações e fugiu. Sem rumo, triste e sozinho, passou muito tempo apenas em companhia de Deus, orando todas as noites para que ele operasse um milagre em sua vida. Tinha longas conversas com Ele todos os dias e, mesmo sem obter respostas, sentia-se melhor consigo mesmo.
Muito tempo se passou. Na fazenda, mal se lembravam daquele patinho feio que um dia havia fugido. Até mesmo a Dona Pata havia descartado da memória aquele filhote defeituoso. Foi então que um elegante cisne branco chegou até a fazenda. De Bíblia debaixo da asa e gravata, ele chamava atenção por onde passava. Todos os bichos ficaram fascinados por aquela bela figura que, sem falar nada, chegou e armou um palco com um microfone ligado no volume mais alto:
“Irmãos, aproximem-se! Não precisam ter medo, vim aqui para falar algo muito importante para vocês! Aposto que não se lembram de mim! Há alguns anos viveu nessa fazenda um patinho tão feio que vocês imediatamente o rejeitaram! Esse patinho sou eu! Sei que é difícil acreditar! Agora que fiquei lindo não é fácil me associar com aquele frágil bichinho que foi humilhado por vocês!
Mas não me deixei abater! Foi naquela época que conheci a palavra de Deus e minha vida mudou! Olhem o milagre que ele fez comigo! Eu me transformei por ação Dele! Se hoje não sou mais aquele patinho feio, podem colocar tudo na conta de Deus! Conversei com ele todos os dias! Ele me dizia que tudo ia ficar bem, era só ter fé e esperar! E eu tive fé, irmãos! Vocês estão testemunhando o resultado de toda a minha fé! Deus me salvou e me enviou para que eu possa ajudar todos vocês a se salvarem!
Todas segundas, quartas, sextas, sábados e domingos, às 9h, 12h, 15h, 18h e 22h, haverá cultos aqui na fazenda! Vou guiar vocês até o caminho de Deus como Ele me guiou! Para isso, vamos precisar construir um grande templo para honrar a figura do Senhor e vocês vão ajudar com isso! Todos os meses vocês doarão um mínimo de 10% do salário para salvarem suas almas! Quanto mais vocês doarem, melhor! Mostrem o seu amor por Deus!“
A ideia era tão absurda que acabou funcionando. Hoje em dia, a maioria dos animais faz parte da igreja fundada pelo ex-patinho feio e acredita que sua vida será mudada por Deus. Eles seguem orando, mas nenhuma graça foi atendida. O patinho, por sua vez, insiste que é por falta de fé e de pagamento, então os animais continuam orando e pagando por um mundo melhor.
Enquanto isso, o belo cisne já comprou uma casa nova e boa parte do lago da fazenda.
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.