Chega! Não dá mais pra aguentar esse galo velho caquético. Sonho com o dia em que ele vai ser comido com quiabo e angu. Vão disputar um pedaço daquele peito magrelo, chupar o pescoço até sugar todo o caldinho. E ele enfim vai sumir da minha vida. Se eu precisar assistir mais uma aula sobre “Como cantar no tom e na hora correta”, “Métodos de equilíbrio em poleiros” ou “Como prevenir pintinhos” vou preferir a morte.

Apesar de serem uma bosta, as aulas nem foram o pior momento da minha semana. Depois de muito tempo sumida, a galinha gorda com celulite decidiu fazer um retorno triunfal. Pensei até que ela tinha sido comida, mas pelo jeito não foi. O granjeiro deve ter ficado com nojo, certeza. Ela apareceu no meu poleiro hoje de manhã e puxou assunto. Eu tava meio sonâmbulo ainda, porra. Não me assusta desse jeito. No mínimo ela acha que sou a fim dela. Devo ter pregado chiclete na cruz pra suportar uma galinha tão feia na minha vida!

E olha que nem ligo para aparências. Ela pode ser gorda, ser cheia de celulite, ter umas rugas em lugares que nem imaginei que pudessem existir rugas. O problema é que ela é insuportável. Sou o único frango da granja em idade para procriar, então sobra para quem? Para quem? Nem precisa responder.

Para completar essa semana projetada pelo capeta, uma das aulas contou com a participação de quem? Também não precisa responder. Era uma prática sobre a dança do acasalamento. Tínhamos visto a teoria, agora era a vez de testar pela primeira vez. Então aquele velho me traz a gorda. Não quero fazer a dança do acasalamento com ela. Depois não me reclamem que não sei fazer direito, olhem com quem foi minha iniciação.

É sério, não aguento mais. Quero mandar esses dois direto pro inferno. Passar um tempo dentro de uma televisão de cachorro para ver como é bom. Juro que não é preconceito ou algo do gênero. Não é! É pós-conceito. Desafio qualquer um a se encantar pelo velho ou por aquela gorda. Ou melhor, queria ver alguém precisar fazer a dança do acasalamento na presença de um dos dois.

Para piorar a semana, só faltava chover. Não contente em acabar com o restinho do meu humor, São Pedro mandou granizo. Quando começou o barulho no telhado, um pintinho gritou: “Está chovendo granito”. Na hora até ri, mas agora acredito nele. As pedras de gelo foram tão grandes e pesadas que pareciam granito.

Para aumentar meu bom humor, caiu uma pedra em cima do telhado e fez um furo no teto do meu poleiro. Agora tem uma goteira infernal em cima da minha cama, vou precisar mudar de lugar. Espero que tenha um lugar bom para dormir.

Deixa eu ver onde tem um lugar vazio. Tem um ninho só com uma galinha por ali. Vou me dar bem essa noite. Passar o tempo todo grudado com uma galinha, vai ser ótimo! É só fazer ela dar uma chegadinha para lá…

Ah não! É perseguição, não tem condições. Por que o último lugar para dormir é ao lado da gorda?


Vou desativar meu antigo blog, o “Memórias de um frango”. Para isso, vou resgatar as crônicas que estavam postadas lá, dar uma repaginada e trazer para cá. Aos poucos a personalidade do frango foi se moldando e ele ganhou alguns contornos mais nítidos para mim. O primeiro, ele detesta o galo velho. Segundo, ele também detesta a galinha gorda. Lógico, tem muito de machismo arraigado aí, que tentei aliviar com o passar do tempo. O Frango é uma sátira, uma piada. E ele sempre se dá mal. Isso atenua ele.