A ascensão do Governador

Robert Kirkman e Jay Bonansinga
Publicado em 2011
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A crítica contém spoilers sobre a obra

Um dos grandes méritos de The Walking Dead é não ser apenas uma obra sobre zumbis. Lógico que eles estão presentes e são uma constante fonte de ameaça, mas em momento algum eles podem ser considerados protagonistas. Desde o lançamento do primeiro quadrinho, em 2003, o foco da obra são as pessoas e, principalmente, a forma como elas se comportam diante de um mundo destruído.

Seja nos quadrinhos, na série de tv, nos jogos ou nos livros, é dos vivos que devemos ter mais medo. Até porque chega uma hora em que os sobreviventes já sabem como lidar com os mortos. Os vivos, ao contrário, são sempre um enorme ponto de interrogação. E nos primeiros capítulos dessa obra, o grande expoente do medo é o Governador.

Apresentado em abril de 2006 na revista #27, ele é o símbolo máximo da loucura que o mundo se tornou. Visando manter uma cidade “perfeita” em meio ao caos, ele exerce uma verdadeira ditadura, pratica a política do pão e circo com os moradores e trata qualquer invasor com mãos de ferro. Além disso, é dotado de uma oratória e de um poder de intimidação incríveis, capazes de manter quieta qualquer pessoa que seja contra suas ideias.

“Por aqui, não é dos mortos que você deve ter medo… É dos vivos.”

Isso é o que sabemos do personagem pelos quadrinhos. Lá ele já está completamente insano, capaz de decepar mãos dos inimigos, estuprar mulheres por horas a fio, fazer terror psicológico, promover brigas de “gladiadores” entre zumbis e até mesmo realizar coisas piores. Em nenhum momento, porém, é mostrado se o Governador sempre foi daquele jeito ou se o mundo ter acabado foi o responsável por destruí-lo. É nessa lacuna que os livros escritos por Robert Kirkman (autor dos quadrinhos) e Jay Bonansinga (escritor de livros de terror) entram.

A ascensão do Governador é o primeiro de quatro livros que contarão a origem da figura que governa Woodbury. Este primeiro volume mostra como Philip Blake, um homem prático e durão, tenta garantir a sobrevivência do irmão mais velho, o medroso Brian Blake, e de sua filha, Penny Blake. Dois amigos de Philip – Bobby e Nick – também se juntam ao grupo, que tenta encontrar um pouco de humanidade em meio ao apocalipse zumbi.

“A morte não tem nada de glorioso. Qualquer um pode morrer.”
Jonhhy Rotten

E é só isso que vou falar sobre a história. Como o título do livro já diz, é nesse volume que vamos descobrir como Philip Blake começou a se tornar a tão temida figura do Governador. Para isso, teremos que vê-lo perder tudo que ele lutou para conquistar e finalmente entendemos o porquê de tanta loucura quando o encontramos nas HQs.

É nesse ponto que o livro é mais bem sucedido. O tempo todo ele conta uma história da qual já sabemos o final (até porque acho muito difícil alguém começar a se interessar por The Walking Dead por conta do livro e não por causa da série ou dos quadrinhos). Sabemos, por exemplo, que a Penny vai virar um zumbi e que o Governador vai continuar amando a menina. Mas nem por isso deixa de ser interessante quando isso acontece.

Muito desse interesse vem da forma como o livro é escrito. Narrado em terceira pessoa, ele é detalhado na medida certa para que possamos imergir nos ambientes, sentir a tensão que os envolve, a agonia ao entrar em um novo espaço e o perigo iminente de um ataque. Quase podemos tocar a urgência nas ações dos personagens. Mas é nos momentos de calmaria que a tensão aumenta, pois nosso sensor aranha é ativado e sentimos o cheiro de “vai dar merda”.

Ao mesmo tempo, o livro também não poupa detalhes sobre os zumbis. São tripas que voam por todos os lados, cabeças decepadas e atropelamentos. Cada explosão de cérebro é uma chuva de miolos em nossa cara.

Com essas descrições detalhadas e o clima de tensão, podemos acompanhar o crescimento de cada um dos personagens. É emblemática a cena em que eles, já em Atlanta e cercados por uma horda de zumbis, percebem que o mundo nunca mais vai ser o mesmo.

“Nós vamos sobreviver a esse pesadelo, e vamos fazer isso nos transformando em monstros piores do que eles, está me entendendo? Agora não existem regras! Não existe filosofia, não existe misericórdia, não existe perdão…”

A loucura de Philip Blake é mostrada aos poucos, a partir de cada uma das situações vividas, sendo evidenciada em dois momentos-chave em que ele perde a cabeça e complica a sobrevivência do grupo. Já Brian precisa superar os medos e se tornar o irmão mais velho que nunca foi. Vemos a confiança surgir aos poucos, culminando no desfecho da história e na reviravolta que mexe com tudo que conhecemos sobre o personagem do Governador.

Um livro que faz jus à mitologia da obra e que acrescenta, e muito, à história de um dos melhores personagens que passaram pela HQ. Já estou doido para ler os outros três volumes.

A ascensão do Governador (The rise of the Governor, no original)
Robert Kirkman e Jay Bonansinga
Galera Record, 2013 (lançado originalmente em 2011)
361 páginas
Tradução: Gabriel Zide Neto

P.S.: Uma das frases mais legais da série veio deste livro. Quando Rick, no final da segunda temporada, fala que aquilo lá não é mais uma democracia, essa frase na verdade pode ser atribuída a Philip Blake.

P.S. 2: Para quem leu as HQs, uma coisa legal é o condomínio Wilshire Estates. É nele que o grupo de Rick tenta se esconder após sair dos arredores de Atlanta, porém eles não veem a placa deixada por Brian.

Em resumo: “Fudeu tudo”

P.S. 3: Na quarta temporada da série, tentaram resgatar um dos arcos deste livro, quando Philip e seu grupo se encontram com a família de Atlanta que mora com o pai que tem câncer de pulmão. A resolução do livro foi muito melhor que a da série, diga-se de passagem, e mostra o início da loucura do Philip de uma forma muito cruel.