Carnaval de rua

O tambor anunciava que o bloco estava prestes a partir. TUM. TUMTUMTUM. TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM. Pessoas dançavam animadas. Latinhas de cerveja eram consumidas como água. Piratas, fadas e super-heróis se espalhavam pelas ruas. Homens vestidos de mulher, mulheres vestidas de homem. TUM. TUMTUMTUM. TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM. E no meio da bagunça, de braços cruzados, ele.

Não sabia o que tinha passado pela cabeça ao aceitar o convite dos amigos. Odiava aglomerações, não bebia nada alcoólico e era tímido com as mulheres. Mas lá estava ele, em meio a uma aglomeração alcoólica de belas mulheres. Todo mundo cantava e pulava ao som do bloco. TUM. TUMTUMTUM. TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM. Enquanto ele se entediava cada vez mais e só pensava em como a cama devia estar mais confortável.

Desde que era criança, sempre viu milhares de pessoas chegarem de todos os lugares do país para aproveitar o feriado em sua cidade. TUM. TUMTUMTUM. TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM. Não conseguia entendê-los. Não via graça em cair bêbado pelas ladeiras ou ficar com uma desconhecida qualquer para esquecê-la em 5 minutos. TUM. TUMTUMTUM. TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM. Nem quando era um adolescente cheio de hormônios conseguia entender essas pessoas.

Mas os amigos insistiram tanto para que ele fosse que resolveu ceder e sair de sua toca. Estava odiando tudo. TUM. TUMTUMTUM. TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM. Se dependesse só dele, estaria cercado por filmes, seriados e livros, de preferência com muita comida e o ventilador ligado na cara. Esse era o sonho.

Distraído em seus pensamentos, acabou perdendo os amigos de vista. Passou os dez minutos seguintes rodando em meio à confusão para encontrá-los e não conseguiu. Tentou os celulares e nada. “Beleza, sozinho e preso nessa merda”, pensou. TUM. TUMTUMTUM. TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM. Foi quando decidiu sentar no meio-fio e esperar que os amigos sentissem sua falta e fossem procurá-lo.

– Perdeu alguém?

Demorou para perceber que falavam com ele. TUM. TUMTUMTUM. TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM. Quando se deu conta, viu que a dona da voz já estava sentada a seu lado, com uma fantasia de baiana e uma cara de quem pulou nas últimas 36 horas sem interrupção.

– Oi?

– É, você tá com cara de preocupado. Tava te olhando dali de longe – e apontou para algum lugar vago no meio da bagunça – e percebi que você tá sozinho aqui há um tempão. Se perdeu da galera?

TUM. TUMTUMTUM. TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM

– Ah, mais ou menos. Me distraí e eles sumiram. Daqui a pouco voltam, acho.

– E se não voltarem?

– Aí vou pra casa. Não tô a fim de ficar aqui sozinho. Já tô muito a fim de ir assistir a um filme, estourar uma pipoca, sei lá. Cansei dessa barulheira.

TUM. TUMTUMTUM. TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM

– Nem me fala, minha cabeça tá explodindo. Tô aqui desde oito da manhã e meus pés tão me matando. Vocês alugaram uma casa?

– Não, eu moro aqui mesmo.

– Sério? Que doido! Deve ser foda morar numa cidade tipo essa. Precisa nem sair pra aproveitar o carnaval.

– Pra quem curte deve ser foda mesmo. Eu acho um saco. Só saí de casa hoje porque meus amigos insistiram muito. Aliás, você não é daqui. Veio com as amigas?

TUM. TUMTUMTUM. TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM

– Vim com um grupão da faculdade. Ano passado a gente veio também. Alugamos uma casa e tudo, tá uma zona. Mas agora me perdi de todo mundo. Mas como assim você não curte carnaval? Essa é a melhor época do ano!

– Não gosto dessa bagunça. Tô acostumado com a cidade, trabalho o dia inteiro aqui e, quando tem um feriado prolongado, prefiro aproveitar pra descansar.

– Mas é bom se jogar de vez em quando. Eu trabalho 10 horas por dia e é no carnaval que me liberto. Me fantasio, brinco, me divirto. Passo o ano inteiro planejando essa viagem.

– Nunca saí daqui no carnaval, mas se saísse, seria pra um lugar mais calmo. Um hotel fazenda, uma cidadezinha deserta, algo do tipo.

TUM. TUMTUMTUM. TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM

– Tá brincando, né? Nada é melhor que isso aqui. Menos quando as meninas somem. Aposto que acharam um grupo de homens e deram um perdido sem mim.

– Aposto que elas se encontraram com os meus amigos e eles sumiram todos juntos.

– Bom que a gente se achou pra se fazer companhia, então. Tô pensando em voltar na casa um pouco pra pegar umas coisas, você me acompanha?

– Pode ser.

TUM. TUMTUMTUM. TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM

Os dois juram que seguiram para a casa alugada, mas nunca chegaram até ela. No meio do caminho, passaram perto da casa dele e ela o convenceu a assistir a um filme e descansar um pouco. Os dois também juram que tentaram fazer isso. Durante os dias seguintes os amigos não conseguiram mais falar com nenhum deles. Ele realizou a vontade de não sair mais de casa e aquele acabou sendo o melhor carnaval que os dois já tiveram.