Entre as quatro linhas
Org. Luiz Ruffato
Publicado em 2016
Compre aqui
Vamos pensar juntos em uma questão. Dentre os livros clássicos brasileiros, quantos deles falam sobre futebol? Eu, particularmente, não me lembro de nenhum. Agora vamos tentar facilitar. Quantos deles somente citam o futebol? Continua difícil, não é? Mesmo com o futebol sendo o grande esporte nacional, são poucas as obras que falam sobre ele.
Essa é a ideia que aparece na introdução de Entre as quatro linhas: contos sobre futebol. O organizador do livro e escritor Luiz Ruffato (eles eram muitos cavalos) afirma que os autores brasileiros sempre guardaram certa distância do tema “futebol”, não o utilizando como referência principal e nem mesmo como algo secundário em suas obras. Segundo ele, “a verdade é que os personagens da nossa prosa de ficção, de maneira geral, transitam num nível da sociedade em que o futebol é ignorado como manifestação coletiva – ou por ainda carregar a pecha de agentes de alienação ou por pertencer a um universo que pouco frequenta a nossa ficção, o “povo”, que é quase sempre o marginal, nunca “o trabalhador”.
Antes de comentar esse trecho do Ruffato, porém, preciso falar do livro em si. Entre as quatro linhas é uma coletânea de 15 contos inéditos sobre o esporte mais popular do Brasil. Seja utilizando-o como base ou apenas como elemento secundário, todos os contos falam um pouco desse universo que cerca o futebol. São 15 autores de diferentes faixas etárias (dos 33 aos 62 anos), estados de origem, times do coração e estágios na carreira de escritor.
Como amante de futebol e de literatura, comecei a ler a obra com a expectativa lá em cima. Foi com bons olhos que acompanhei a introdução do Ruffato sobre esse problema que o futebol enfrenta na hora de ser representado na literatura e, graças a ela, pensei que este livro fugiria dos estereótipos do esporte como ópio do povo, alienante, que só é praticado pelos pobres. Mas bastou ler o primeiro conto para que as expectativas fossem por terra.
Casquinha não era o que pensávamos, do coxa branca Mário Araújo, fala sobre o maior jogador de futebol do mundo que, no fundo, era um crápula. Além de apresentar um problema de ritmo em sua segunda parte – quando a narração alterna da primeira para a terceira sem nenhuma referência gráfica e sem motivo –, ele traz aquela ideia de alienação e malandragem que o Ruffato falou na introdução, que é um dos “clichês” ligados ao futebol que mais me incomodam.
Beleza, era um conto abaixo das expectativas. Isso dava para aguentar. O problema é que os próximos três também são bem abaixo da média. Em 3x futebol, do palmeirense Fernando Bonassi, há um retrato das coisas mais podres do futebol e, novamente, vai a favor da ideia de alienação e marginalidade que o Ruffato lutou contra na introdução.
Então chegamos ao terceiro conto (Megarefe, do vascaíno Ronaldo Correa de Brito) e os mesmos problemas de antes aparecem, dessa vez na pele de um time amador formado por açougueiros que “fediam como amoníaco” e um menino que não suporta aquele ambiente. São três contos em sequência com o mesmo problema e que perpetuam o estereótipo do futebol ser algo ruim, sujo, alienante e do “povo”, no pior sentido da palavra.
“Ah, mas o quarto conto é da Eliane Brum. Vai melhorar”, pensei, já que pago muito pau pro trabalho dela, quero ser ela quando eu crescer e tô doido pra ler Uma duas. Mas apesar de toda admiração, não consegui gostar de Raimundo, o dono da bola. Nele a autora utiliza o futebol apenas como um detalhe da trama que fala sobre temas que são caros a ela, como exploração de recursos naturais e abusos contra pessoas mais pobres. Entendi as metáforas que ela usou, achei bem escrito e pertinente, mas não para uma coletânea sobre futebol. A maior das metáforas usadas, e que tem a ver com o nome de toda a família do protagonista, não tem a ver com o futebol. Aliás, se substituísse o futebol e a bola por qualquer outra coisa não faria diferença.
Foram quatro contos que não agradaram na sequência. Isso me fez brochar bonito com o livro, mas como sei que uma coletânea tem desses altos e baixos, continuei lendo. E sim, melhora bastante. Logo depois do conto da Eliane Brum temos o curtinho Meu pequeno amigo cubano, do botafoguense Flávio Carneiro, que nos deixa com um sorriso no canto da boca e aquela sensação do quão mágico pode ser um jogo de futebol entre crianças. Destaco ainda Mas o que eu tenho que fazer?, do esmeraldino André de Leones; Domingo no Maracanã, do tricolor carioca Marcelo Moutinho; O filho negro de Deus, do torcedor do furacão, Rogério Pereira; e Uma questão moral, do também alvinegro paranaense fanático, Cristovão Tezza.
Mas o grande destaque, na minha opinião, fica por conta de A história do futebol, do tricolor carioca André Sant’Anna. A história do menino de Belo Horizonte que é apaixonado pelo Fluminense – e pelo futebol em geral – não é uma narrativa simples, traz um fluxo de pensamento constante e uma infinidade de trocas de nomes dos personagens. Ao mesmo tempo, é aquele conto que mais consegue mostrar o quanto o futebol pode ser apaixonante nos menores detalhes, desde acompanhar o time longe de casa a brincar com os amigos de que você é fulano, o grande craque do time. Isso sem falar que cobre um período histórico importante do futebol brasileiro, com citação a vários jogadores importantes e títulos de expressão.
Por isso, acho que o maior problema do livro é a ordem em que os contos foram distribuídos. Como disse, temos logo de cara quatro histórias pessimistas e que vão a favor do estereótipo do futebol alienante e cheio de podridão. Depois melhora. Talvez seja só a minha visão, mas começar desse jeito desanima demais o leitor, que depois da introdução está esperando contos sobre futebol de fato e os sentimentos que ele passa.
No fim, é uma coletânea relevante, mas que não consegue retratar todos aqueles mais variados sentimentos que envolvem um campo de futebol. Pensando aqui, acho que ela não teria muito espaço nas livrarias se não fosse pela iminência de uma Copa do Mundo. O que é uma pena, já que a carência de livros sobre o esporte mais importante do país é gritante.
O louco das estatísticas
Por tudo que falei e pensei sobre o livro, fiz um pequeno levantamento sobre alguns pontos para ver se eu tinha razão ou era só impressão errada. Analisei, então, o tipo de personagem utilizado, se o futebol é colocado em primeiro ou segundo plano e se ele é visto de forma positiva, negativa ou neutra. Quero começar fazendo mea culpa porque fui incapaz de entender o conto escrito pela Carola Saavedra, intitulado Reverso do jogo. Tenho algumas ideias sobre o que ele representa, mas nada muito concreto, então deixei de fora da contagem final por motivos de: fui burro demais pra entendê-lo.
Com relação ao tipo de personagem, cinco contos mostram alguém de classe social baixa, quatro com melhores condições e os outros cinco são com personagens ligados ao mundo do futebol.
Falando na temática, dez deles se utilizam diretamente do esporte e das emoções que ele causa e em quatro o futebol é apenas algo secundário. Dos dez que falam sobre o futebol, apenas três têm uma visão positivista. Outros três são neutros e os outros quatro apresentam uma visão negativa. Nos quatro que não falam diretamente sobre futebol, dois apresentam uma visão positiva, um é neutro e outro é pessimista.
Ou seja, só em quatro contos há o futebol como tema central e com uma visão positivista. Muito pouco para um livro que começa falando que o futebol é sempre tratado do mesmo jeito.
Entre quatro linhas: contos sobre futebol
Vários autores (org. Luiz Ruffato)
Editora Dsop, 2013
188 páginas
P.S.: Se vocês querem ler coisas legais sobre futebol de várzea, futebol moleque, futebol toco y me voy, recomendo que leiam o blog Cotidiano e Outras Drogas, do Arthur Chrispin, que mantém uma série sobre o futebol de rua de Ramos.
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.