Poderia ficar naquela posição a vida inteira. Poderia assistir a queda e a ascensão de diversas civilizações sem ter a menor necessidade de se movimentar. As pequenas ondulações causadas pelo vento levavam-no a um estado de paz incrível. A ausência de sons e a leve pressão que sentia transportavam-no para um universo bastante peculiar, no qual só havia de existir sua mente, totalmente desprovida de um corpo. Estava no lugar que considerava o mais fascinante de todos. Completamente distante de qualquer intervenção externa em seus pensamentos. Sabia que nada, absolutamente nada, poderia estragar o seu momento. A sensação era maravilhosa demais para ser descrita. Pura e perfeita demais. Mas algo em seu âmago o impedia de se apagar momentaneamente. Mais do que isso: obrigava-o a continuar aquele maldito processo de repassar coisas na cabeça. Um círculo vicioso que o forçava a pular de seus problemas mal resolvidos para os que estavam por resolver, empurrava-o contra seus anseios, esmagava os mesmos em suas convicções nada seguras e o entregava outra vez a suas preocupações iniciais. E era ele uma imperfeição no meio daquele sonho desperto. Orgulhoso demais para deixar o ego ser engolido pela água. Ou covarde demais para tal. Gostava de sentir sua presença confundida nos chakras do mundo. Gostava de se sentir parte do todo. Mas ainda não estava pronto para se equilibrar na teia. Não queria desistir de si em prol de sua iluminação. E sua mente dançava como mil najas encantadas; maravilhosas e mortais. Antagonizando o estado de pedra do corpo – que já se estendia por tempo demais. Dentro em pouco seria inevitável se debater. A menos que já se houvesse sido transportado para o cosmos. Vozes femininas agudas faziam cócegas no céu de sua boca. Seus filhos e filhas. Ignorados. Pois iniciara um sutil processo de sofrimento autoinfligido. Ouvia a respiração de sua consciência rogando por sensatez, mas a mesma não seria atendida. Suas vértebras rasgavam sua alma, mas isso não o impelia a lutar. O sentido de tudo estava escondido em algum lugar muito além dali e ele não podia voltar. Precisava encontrar a razão. Precisava desesperadamente se encontrar. E, para isso, teria que abrir mão de suas conquistas. Dentro de sua cabeça o sofrimento, personificado, estocava contra as paredes de sua massa cinzenta. Ameaçava arrebentar o muro que separava suas memórias e o presente, de modo que o tornaria o mais desarrazoado dos seres. Mas ele ainda podia aguentar um pouco mais. Extrair o oxigênio de algum lugar. Antes que Atlântida se afogasse. Começou a correr desesperadamente, no escuro, sem ao menos se importar se iria de encontro a algum infortúnio. Tateou o nada, temendo o pior. Sentiu o medo crescer monstruosamente e quis sumir. E começou a chorar copiosamente; até que enxergou luz. Uma fímbria maravilhosa, que lhe transmitiu paz e aqueceu todos os seus músculos. Mas ela estava distante. Por mais rápido que se movesse, via a luz como o horizonte. E ela era como a felicidade e a dor, fundidos numa esfera enevoada. Prestes a explodir e inundar o mundo. Mas ainda assim muito distante. Um pedaço minúsculo de amor platônico. Contudo, não desistiria. Não sem lutar. Mentalizou o mundo se dobrando sobre si, de forma que nada haveria de restar. Vislumbrou as tempestades e maremotos, as erupções e os raios. Viu o apocalipse se aproximar e chegou mesmo a desejá-lo. Mas o mundo não acabaria ali. Ele não acabaria ali. E foi imaginando o caos que entendeu o porquê. Viu que o mundo engolia a si próprio, transformando tudo que já não fazia sentido em novas formas e cores. Sentiu-se arrastado para o olho da tormenta e então só pôde esperar. A história do universo bailou em sua frente, descortinando a mais maravilhosa das visões. O nascer de todos os seres e coisas e sentimentos. Foi tudo ficando muito claro em seu coração. A vida foi voltando a pulsar. Mas já era tarde e não teve tempo para se despedir ou mesmo para pensar. Foi tomado pelo escuro e desapareceu em meio àquela sensação. Por uns instantes bastante infinitos não existiu mais…
Tira ele daí! Rápido! Tira logo!
Anda! Ele engoliu água! Aperta o peito dele!
A luz inundou sua alma e aqueceu sua existência, mas Sjálf estava morto.
Viajo há muito tempo percorrendo vários sistemas bem diferentes. A gravidade do planeta Química exerce forte atração sobre mim, mas o astro chamado Literatura é aquele no qual me sinto mais confortável. Nos entremeios e desencontros do caminho, músicas e histórias me ajudam a não perder o rumo.