O mundo de Sofia
Jostein Gaarder
Publicado em 1991
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Acho que li O mundo de Sofia na época errada.
Comprei o livro quando estava no primeiro período da faculdade. O motivo era simples: morria de preguiça das aulas de filosofia e acreditei que um romance sobre a matéria pudesse me ajudar a absorver melhor as informações. Porém, entre aulas e estágio, acabei largando o livro pela metade e tive que passar em Epistemologia (acho que era esse o nome da matéria) com meus próprios esforços. Quase seis anos depois e muitas matérias teóricas nas costas, resolvi dar uma segunda chance para ele.
O Mundo de Sofia narra a história de Sofia Amundsen, uma menina prestes a completar 15 anos e que recebe um misterioso curso de filosofia por cartas. Junto a isso, ela também recebe cartões postais destinados a uma menina chamada Hilde Knag, que Sofia não tem a mínima ideia de quem seja.
Essas são as duas linhas narrativas seguidas pelo livro. De um lado temos o curso de filosofia e do outro a busca de Sofia pela verdade por trás de Hilde e das coisas estranhas que vêm acontecendo com ela. Antes de começar a falar desses dois caminhos, porém, preciso esclarecer uma coisa sobre mim.
Sempre fui um cara das exatas. Minha matéria preferida no ensino fundamental era Matemática e meu ensino médio foi atrelado a um curso técnico de Química. Minha mente foi moldada desde cedo para a racionalidade e para os métodos científicos. Minha cabeça só se abriu um pouco quando entrei para a faculdade de Jornalismo, na qual aprendi a importância de se refletir sobre assuntos, digamos, mais humanos, e do quão interessante são as reflexões teóricas que eles provocam.
Precisei dizer isso porque no período da faculdade tive contato com a maioria dos pensadores que O Mundo de Sofia fala. Seja direta ou indiretamente, eles estavam lá. Por isso disse, lá no início da crítica, que li este livro na idade errada. Ele é realmente um curso de filosofia para adolescentes. As principais reflexões dos teóricos são mostradas de uma forma bem didática e simplificadas, de modo a fazer com que todo mundo que leia o livro possa compreendê-las. Acredito, inclusive, que o livro possa explodir muitas cabeças por aí.
Em determinado momento, um dos personagens, inclusive, confirma esse meu pensamento ao afirmar que procurou obras de filosofia voltados para adolescentes e não encontrou. Essa pode ter sido a grande vontade de Jostein Gaarder ao escrever O mundo de Sofia, uma vez que ele é formado em filosofia e deve ter observado esse fato na vida real.
Nesse ponto, o livro é um tiro certeiro. Acho difícil questionar a importância da filosofia para o nosso mundo e todos os questionamentos e diferentes formas de pensar que ela trouxe ao longo dos séculos. Abrir a mente de um adolescente para isso é algo muito legal da parte do autor.
Meu maior problema, porém, está na outra ponta da linha narrativa: Sofia e toda a história envolvendo Hilde. Comecemos pela menina que dá título ao livro. Sofia é chata e não tenho outra palavra para descrevê-la. Curiosa não serve. Esforçada também não. Ela é chata. As atitudes dela não condizem com uma personagem de 14 anos e a forma como ela se comporta diante da vida é irritante, principalmente quando o tom da narrativa pede o contrário.
Isso é prejudicado, em grande parte, pelos diálogos construídos por Jostein Gaarder. Eles são artificiais, servindo apenas para a didática e apresentando interferências inúteis e sem educação durante a explicação teórica. Isso quebra o ritmo da narrativa e faz com que o livro perca muito de seu potencial.
Mas o maior problema é o plot twist que acontece lá pelo meio do livro. É nele que descobrimos que Sofia e Alberto (o professor de filosofia) são, na verdade, personagens de um livro que o pai da Hilde estava escrevendo para a menina aprender filosofia. A partir desse ponto, tudo desanda de vez. Os diálogos se tornam ainda mais artificiais e a história passa a se pautar nas ideias de Berkeley e na incerteza da existência.
Então caímos em um paradoxo, pois o livro já está escrito e o autor (o pai de Hilde) sabe como a história termina. Porém a loucura dos personagens é tanta que eles se rebelam e tentam fugir do livro. Mas o livro já está escrito, então o pai de Hilde escreveu essa parte. Mas eles acabam fugindo de verdade, gerando um nó impossível de ser solucionado. E a pretensão de O Mundo de Sofia é tanta que, no fim, os dois personagens se veem eternizados no panteão dos grandes personagens da literatura mundial, vivendo entre os humanos como sombras de sua história.
O Mundo de Sofia tinha tudo para ser um bom livro, mas escorrega em sua execução e apresenta uma história confusa que parece estar lá só para que o livro não seja apenas um manual de filosofia para adolescentes (o que, na verdade, ele é). É uma pena, pois a ideia é muito interessante.
O Mundo de Sofia (Sofies verden)
Jostein Gaarder
Cia das Letras, 2007 (originalmente em 1991)
555 páginas
Tradução: João Azenha Jr.
P.S.: Para a minha surpresa existe um filme sobre O Mundo de Sofia. Como minha vida é muito curta pra assistir a esse troço, se alguém tiver assistido me conta se é bom.
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.