1.
No meio da confusão, ficou sozinha. Conversava em paz com os manifestantes quando a primeira bomba explodiu. Não viu direito o que aconteceu, aquilo não havia sido ordem sua. Procurava seus iguais, mas todos estavam distantes, com cassetetes, bombas e armas na mão. Entre eles, pessoas corriam. O medo estampado na cara de todos. Viu alguns avançando contra ela que, fardada, já se preparava para o pior. Aquelas pessoas a cercaram, garantiram sua segurança e a levaram para longe dali.
2.
Ele não entendeu o que aconteceu naquele curto espaço de tempo. Todos estavam caminhando e cantando. A polícia ia à frente, escoltando. Tudo tranquilo. Foi quando a primeira bomba explodiu e suas pernas não funcionaram mais. Ficou paralisado de medo no meio da avenida. Fumaça por todos os lados, bombas de gás lacrimogênio vindas do céu. Helicópteros, balas de borracha, correria. Foi quando um desconhecido o puxou pelo braço, tirando-o daquela guerrilha urbana.
3.
Sentado à beira do lago do Congresso, sorriu. Nunca havia visto sombras tão bonitas no alto do prédio. A meia esfera invertida projetava braços, pernas, cabeças, alegria, revolta, satisfação. As pessoas lá em cima gritavam palavras de ordem, cantavam o hino nacional. Os policiais, de longe, acompanhavam aquele movimento e garantiam a ordem. O povo havia ocupado o seu espaço. E ninguém que estava ali, inclusive ele, conseguia mensurar o quão simbólico era aquilo.
4.
Em frente a um ônibus lotado, pessoas empunhando pedras ameaçavam quebrar os vidros. Foi quando ela surgiu, vinda do meio do povo. Gritando que ninguém ali a representava e que o movimento era pacífico, ela estancou na frente do coletivo. As pessoas ao redor acompanharam a ousadia da garota e, aos poucos, formaram uma corrente que protegia o coletivo. Lá de dentro, o motorista agradeceu silenciosamente cada um de seus anônimos salvadores.
5.
Com uma ordem vinda de lugar nenhum, todos se sentaram na avenida. Em pé, apenas os policiais, que marchavam junto com as pessoas. Eles se entreolharam e, em um acordo silencioso, também se sentaram. A multidão em volta aplaudiu com vigor a atitude. Câmeras filmavam por todos os lados. Eles, encabulados, não conseguiram conter um sorriso por debaixo do capacete.
6.
Estava lá para cobrir os protestos, mas sua vontade era estar no meio dele. Poder gritar, cantar e se emocionar com as pessoas. “Mas minha função é importante também, estou ajudando como posso”, pensou, enquanto colocava a canopla da emissora no microfone. Quando chegou perto do grupo de frente, gritos de “Fora imprensa” e “Imprensa aqui não, você manipula o povão” o impediram de trabalhar. Teve que se encaminhar para perto da polícia, pois lá estaria seguro.
7.
Chegou cedo à Candelária. Viu as pessoas aparecendo aos poucos, até o momento que não conseguia ver onde acabava a concentração. Sua mãe ligou e avisou: “Tá falando na tv que tem mais de 100 mil aí”. Da janela, alguns agitavam panos brancos, outros jogavam papel picado. Motoristas parados no trânsito buzinavam em apoio. Todos em festa, como ela nunca tinha visto na vida.
Todos esses podiam ser trechos de crônicas ou de uma ficção que nunca aconteceria no Brasil. Talvez em uma distopia, diriam alguns. Ou em uma utopia, diriam outros. Mas nunca no mundo real. Os últimos dias mostraram o contrário e, até que conquistas sejam alcançadas, esse texto pode, e deve, se encher ainda mais de fragmentos ficcionais de acontecimentos reais.
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.