Correu o mais rápido que pôde, mas a porta se fechou segundos antes que a alcançasse. O som do alarme e as luzes vermelhas de emergência ditavam o ritmo de sua dor de cabeça, fazendo-o cerrar os dentes enquanto procurava outro caminho. Já havia deixado o casaco para trás, mas a temperatura parecia aumentar exponencialmente a cada minuto – em pouco tempo, nem mesmo nu estaria confortável. Da testa suada, as costas da mão esquerda tentavam retirar o óleo corporal, fazendo com que seu cabelo ficasse mais desgrenhado que de costume. Foi preciso tentar a sorte com nove portas trancadas antes de poder andar pelo corredor – bem mais fresco – do nível 3. Isso não resolvia seus problemas, contudo.

Voltara para encontrar a mãe, que viajava pelo espaço pela primeira vez. Se nas condições normais ela já estava inquieta, imagine numa situação de emergência! A essa altura certamente sentia vertigens e sofria do intestino. Deduziu que ela teria voltado para o quarto e se trancado no banheiro, esperando que tudo se normalizasse o quanto antes, mas estava enganado: o nível 2 já havia sido evacuado e checado. Não sem esforço conseguiu ludibriar um dos comissários de bordo e passar despercebido – mesmo com toda a tecnologia ainda não conseguiam evitar espertalhões trapaceiros. Foi por muito pouco que não ficou preso lá, prestes a ser ejetado rumo ao vazio do universo.

Para subir a bordo do USS 1022 era obrigatório possuir um RSDA (chip subcutâneo), que, além de facilitar o fechamento das contas ao fim do cruzeiro galáctico, permitia a rápida identificação de todas as informações do passageiro (e isso incluía a localização dentro da nave). Lembrando-se disso, dirigiu-se até uma das centrais de dados. Ainda que fosse impossível perder a mãe dentro de um ônibus espacial, ficou tenso após ter percorrido toda a galeria principal – que servia de ponto de encontro – por três vezes, sem sucesso.

Com certo receio, esforçou-se para manter a calma enquanto a atendente falava algo quase inaudível à sua superior. À medida que a expressão da responsável pela segurança adquiria tons soturnos, sua própria face transfigurava-se em uma indizível carranca assustada. Quando ambas olharam para o relógio-contador que pairava acima das cabeças no meio do salão, sentiu o estômago pesar. Ela ainda está lá embaixo? Vocês não conferiram? Com os olhos já cheios de lágrimas, ordenou:

– Volta esse relógio! Vocês precisam adiar a ejeção!

– É impossível, senhor. Não podemos fazer isso. É um protocolo automático de autoproteção da nave, senhor.

– Então libera o acesso que eu vou voltar.

– Senhor, não podemos fazer isso. Nós lamentamos, mas…

– Libera… a porra… do acesso… AGORA! É A MINHA MÃE QUE TÁ LÁ EMBAIXO, SUAS DESGRAÇADAS!

– Senhor, mas…

– LIBERA ESSA PORRA LOGO! MEU TEMPO TÁ ACABANDO!

Assim que teve a confirmação visual de que o acesso havia sido liberado, disparou em direção ao nível 2, ignorando os olhares perplexos dos demais passageiros. Tinha pouco mais de dois minutos. Depois disso seria o fim do mundo, caso não voltasse a tempo. Com a ajuda do elevador, gastou exatos vinte e dois segundos para chegar à porta do quarto 2H33, que já estava aberto por ordem da chefe da segurança da nave. Gritando o nome da mãe, vasculhou os aposentos com pressa, até que a encontrou caída do lado de um dos sofás. Viva, porém inconsciente, respirava de maneira pesada e dificultosa – seu peso excessivo tornava o processo penoso. Mãe! Mãe! Acorda, mãe! A gente precisa sair daqui! A gente precisa subir! Como não obtinha resposta, esforçou-se para carregá-la. Por diversas vezes tentou erguê-la, mas não dispunha de forças para tal.

Cansado e sem esperança, desistiu. Sentou-se ao lado dela, fez carinho em seus cabelos. No contador apenas 60 segundos restavam.

Para ler ouvindo: Um minuto para o fim do mundo, do CPM 22

Esta crônica faz parte do Music Experience

É isso aí, Sr. Frango! Mais um desafio cumprido! É engraçado como as idéias fluem mais facilmente quando a gente tá familiarizado com a música. CPM22 foi uma das bandas que mais marcaram a minha vida (não, não foi só a adolescência), por isso, quando soube que teria que escrever baseado em “Um minuto para o fim do mundo”, fiquei felizão. Valeu pela escolha! Eu quis fazer um texto bem caótico pra ilustrar toda a emoção que esse som me transmite. Imagino que não se pense em outra pessoa que não uma amada/um amado quando se escuta essa música, por isso achei que seria legal mudar um pouco o quadro. Espero que tenha ficado legal!

Seu desafio agora é escrever pensando em “Tempo de pipa”, do “Cícero”. Boa escrita!